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sexta-feira, 27 de julho de 2012

Eleições locais com impacto nacional

Autor(es): Por Alberto Carlos Almeida | Para o Valor, de São Paulo
27/07/2012

Eleições municipais são regidas por questões municipais. Todavia, é comum vermos discussões sobre o grau de nacionalização de uma eleição municipal. No momento, não são poucos os analistas que afirmam que a eleição em São Paulo será uma disputa nacionalizada. Afirmações dessa natureza desconsideram inteiramente o que leva o eleitor médio a escolher seu candidato.
Na grande maioria dos municípios brasileiros, agora em 2012 e também na eleição municipal passada, o principal problema que o eleitor deseja ver resolvido (se é que isso é possível) é o atendimento da saúde pública. A decisão do voto é bastante simples. O eleitor vai avaliar qual dos candidatos transmite maior credibilidade para melhorar a situação do atendimento de saúde.
Quando se coloca uma lupa na saúde pública brasileira, perguntando diretamente ao usuário o que é preciso melhorar, a resposta é clara e unânime: tempo de espera de consultas e exames. A verbalização dessa demanda vem associada à palavra "dignidade". É muito comum que as pessoas esperem pelo menos três meses para serem recebidas por um médico especialista. Eu mesmo tive a oportunidade de constatar que o tempo de espera para uma consulta com um cardiologista ou oftalmologista em vários municípios brasileiros atingia a marca de nove meses.
No caso de uma consulta com um cardiologista, não são poucas as situações nas quais a longa espera resulta em morte. Com um oftalmologista, a longa espera pode resultar em cegueira ou na simples humilhação de, para aqueles que são atingidos pelo mal da vista cansada, passar quase um ano sem ter condições de ler. Depois da consulta, há uma nova e igualmente longa espera pelo exame. Todo esse processo pode levar, facilmente, mais de um ano. É exatamente por isso que as emergências dos hospitais públicos estão lotadas. Como as pessoas não conseguem ser recebidas por um médico em uma ou duas semanas, elas vão para as emergências, que têm que atender naquele mesmo dia.
É uma experiência antropológica, para dizer o melhor, conversar com alguém que esteja em uma fila de atendimento de um posto de saúde da rede pública. A grande maioria das pessoas, na maior parte dos municípios, está há muitas horas na fila, esperando por atendimento. Chegam de madrugada, antes de a unidade de saúde abrir, para que fiquem no início da fila. Chegar nesse horário não significa ser atendido antes da hora do almoço. A percepção do usuário, com razão, é de um serviço que o humilha, que o trata sem dignidade alguma.
Há uma enorme proporção de prefeitos que são médicos. Disputar e vencer uma eleição municipal a partir da atividade médica é muito comum no Brasil. Por exemplo, na eleição de 2000 no segundo mais populoso município do Estado do Rio de Janeiro, São Gonçalo, o candidato vencedor, que era médico, teve um lema de campanha tão genial quanto simples: "Chame o doutor". Não é preciso um lema tão eloquente para vencer. O médico que transmitir credibilidade na promessa de melhoria do tempo de espera para consultas e exames acaba tendo um bom desempenho eleitoral que muitas vezes é coroado com a vitória.
Não vai ser diferente em 2012. Eleições tão importantes quanto as de São Paulo, Belo Horizonte e Recife serão decididas por questões exclusivamente municipais. Saúde será a mais importante, acompanhada de outras questões, como pavimentação e saneamento. Há uma agenda local no Brasil que envolve também fazer com que todos os brasileiros vivam em ruas pavimentadas. O atendimento dessa demanda está em andamento.
Prometer resolver os maiores problemas do município e fazer isso com credibilidade é o que assegura a vitória eleitoral. O eleitor não é bobo, vota em quem resolver o problema dele, alguém que resolva um ou dois problemas, desde que sejam os principais, já está de bom tamanho. É preciso prometer com credibilidade e é agora que entram vários elementos importantíssimos da comunicação política. Um candidato do PT ou do PSDB tem mais credibilidade para prometer tais melhorias do que candidatos de partidos nanicos. O eleitor considera que estes não têm apoio político suficiente para cumprir o que prometem.
Um candidato que tenha uma boa articulação política com o governo estadual e federal também tem mais credibilidade para cumprir suas promessas do que alguém que seja de oposição a ambos. O eleitor acredita que a união dos três níveis de governo acaba resultando em mais recursos para o município. Um prefeito bem avaliado tem mais condições de dar credibilidade a suas propostas de melhorias para o futuro do que um prefeito mal avaliado. A lista de atributos para transmitir credibilidade é longa e as campanhas se utilizam dela da melhor maneira possível.
O resultado final das eleições em São Paulo, Belo Horizonte e Recife estará relacionado a tudo o que foi dito anteriormente. As três eleições, como qualquer eleição em qualquer município brasileiro, serão regidas pelos problemas mais imediatos que afetam o eleitor, serão eleições inteiramente locais. Contudo, os resultados terão impacto na política nacional.
O PT é o único partido que disputa as três eleições. Em cada uma delas enfrenta uma ambição política diferente. Em São Paulo, enfrenta a eterna candidatura a presidente de Serra, em Belo Horizonte enfrenta a candidatura de Aécio pelo PSDB e em Recife enfrenta Eduardo Campos do PSB e seus competentes passos rumo a uma disputa nacional em, pelo menos, 2018. Se o PT vencer nas três cidades, será o grande vitorioso de 2012, porque prejudicará esses três líderes políticos.
A outra situação extrema é a derrota dos candidatos petistas nas três cidades. Isso resultaria no fortalecimento do projeto conjunto de Serra, Kassab e Eduardo Campos e também da candidatura de Aécio pelo PSDB. Não é algo fora de cogitação a aliança entre Kassab e Eduardo Campos em 2018. Serra seria útil para os dois porque poderia ser candidato a presidente em 2014, ajudando a montar palanques fortes em todos os Estados, além de prejudicar as pretensões de Aécio como único candidato de oposição. Esse cenário é ruim para o PT porque aumenta a incerteza ao fortalecer os projetos não petistas em suas diferentes versões.
Entre os dois cenários extremos há uma miríade de variações. Vencendo somente em São Paulo, o PT acabaria de sepultar politicamente Serra e traria Kassab em definitivo para os braços de Dilma. Aécio ficaria como candidato único da oposição em 2014 e Eduardo Campos ficaria fortalecido para continuar tocando seu projeto presidencial de 2018. Vencendo somente em Belo Horizonte, o PT prejudicaria Aécio e fortaleceria a aliança Serra, Kassab, Eduardo Campos. Vencendo somente em Recife, travaria temporariamente o entusiasmo e a eficácia política da movimentação de Campos.
Há ainda as três possibilidades de duas vitórias do PT: São Paulo e Belo Horizonte, São Paulo e Recife ou Belo Horizonte e Recife. No primeiro caso, Kassab ficaria em definitivo próximo do PT e Aécio seria temporariamente prejudicado quanto às expectativas do mundo político acerca de sua efetividade como candidato de oposição. Temporariamente, porque em 2013 o principal líder tucano poderia se recuperar desse eventual resultado eleitoral, colocando-se com clareza como o principal projeto de oposição. Ou seja, a pressão sobre Aécio aumentaria no que tange a fazer oposição. Isso seria mais facilmente atendido por Aécio em função da crescente proximidade de 2014.
Caso o PT vença apenas em Recife e Belo Horizonte, o principal vencedor da eleição terá sido Serra. Opa, o pseudo-líder tucano terá pela frente uma campanha dura em vários aspectos, inclusive no que diz respeito aos concorrentes dentro de sua faixa eleitoral. O PT perder em São Paulo não significa necessariamente vitória de Serra. Chalita é um candidato bom de televisão, que pode surpreender. O simples fato de Celso Russomano estar colado em Serra nas pesquisas de intenção de voto mostra a dificuldade que Serra tem. Ainda assim, pode ocorrer a vitória isolada de Serra nas três cidades-chave desta eleição. Isso criaria uma situação politicamente esdrúxula: o prefeito da capital no mesmo PSDB do governador, mas ambos em campos políticos totalmente opostos. Serra aliado preferencial de Kassab, mas Kassab agindo para estar cada vez mais próximo do governo federal. Aécio com controle nacional do PSDB, mas Serra com uma máquina política formidável em suas mãos, para prejudicar no que for possível as pretensões de Aécio. É isso que ocorre quando figuras politicamente mortas acabam tendo uma sobrevida artificial.
Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" e "O Dedo na Ferida: Menos Imposto, Mais Consumo".
Fonte: Valor Econômico

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