Quase não vejo discussão sobre as eleições deste ano. Fala-se, sim,
em coligações, mesmo as mais absurdas, e no tempo de televisão que
gerarão para os candidatos - mas do que importa, que é o mérito dos
nomes propostos, quase nada. Permito-me assim dar uma sugestão para o
eleitor decidir, não em quem vai votar, mas em quem não votar. Pelo
menos, deste modo ele pode descartar nomes que não merecem cargo tão
destacado. Considero prefeito o cargo mais importante do Brasil, depois
de presidente da República. Embora os governadores estejam
hierarquicamente acima dos prefeitos, é o município que lida com quase
tudo de nossa vida cotidiana. Trânsito, saúde, educação, árvores, calor
e frio, até o bem-estar físico e mental e muitos dos prazeres da vida e
da alma: tudo isso tem a ver com os prefeitos - e, claro, os
vereadores.
Como saber que alguém não presta para prefeito? Receita simples e
segura: os assuntos que prioriza na campanha. Se priorizar religião,
corrupção ou futebol, podem ter certeza de que será mau prefeito. Nada
tenho contra esses temas, apenas observo que, ao dar-lhes prioridade,
ele estará fugindo dos assuntos que pode e deve abordar. Não é que não
possa ter opinião a respeito. Mas pode fazer pouco de bom sobre
religião, futebol e, mesmo, corrupção. (É verdade que pode atacar a
corrupção na prefeitura. Mas sua opinião sobre a corrupção fora do
município, seja o caso Cachoeira, seja o mensalão, não tem muita
importância).
Não estou defendendo políticos de nenhum partido em especial. Um dos
maiores prefeitos do Brasil foi Jaime Lerner, que revolucionou
Curitiba, transformando a cidade que era alvo das zombarias do jornal
"O Pasquim" em exemplo de urbanismo para o Brasil e, não sejamos
tímidos, o mundo. Ele, mais um técnico do que um político, pertenceu a
partidos de direita, como a Arena e o PFL. Em compensação, uma das
cidades que mais melhorou no Brasil foi Porto Alegre - graças a uma
sucessão de bons prefeitos do PT. Temos exemplos de bons
administradores municipais dos dois lados.
Os assuntos que um candidato decente deve discutir
O que estou defendendo é, simplesmente, que os candidatos digam o
que pretendem para suas cidades. Se não disserem nada, é porque não
farão nada que preste. Ou não têm ideias para o cargo, ou o querem para
algum fim espúrio.
Então, qual uma pequena lista de assuntos municipais decisivos?
Primeiro, a educação. O ensino fundamental é assunto das cidades - e
Estados. Uma prefeitura pode investir muito nisso. Pode e deve
controlar a qualidade da educação, porque está perto da escola. Pode
comparar os resultados de cada uma delas nos exames e, especialmente,
na entrada e na saída: pode cotejar o conhecimento do aluno que
ingressa no primeiro ano e do que está se formando. Ele melhorou,
piorou, e quanto? Provavelmente, uma de classe média formará alunos
melhores, no conjunto, mas ela já os recebeu mais qualificados. Se
virmos o que cada escola acrescentou, ou agregou, ao seu aluno em
termos de qualidade, aí sim teremos uma métrica justa. Promoveremos
assim a melhora da educação. Também há que levar em conta os recursos
investidos: uma escola com menor orçamento, que consiga bons
resultados, tem mérito maior do que outra que teve iguais resultados,
mas com mais dinheiro.
Para escolas, existem manuais de boas práticas. Há gente de tudo o
que é lado político empenhada nisso. E, se por acaso o município for
desses que tem arrecadação enorme, pode levar a escola ao infinito. Em
educação, sempre se pode melhorar.
Segundo, a saúde. Ela tem uma vantagem sobre a educação: quem está
doente sabe que não está bem de saúde. Já quem é ignorante ignora a
própria ignorância. Por isso, nosso povo reivindica mais em termos de
saúde que de educação. Ora, a boa saúde é um bem enorme. Reduz gastos
sociais. Cada real bem investido nela (ou na educação) leva a economias
e mesmo ganhos mais adiante. Por isso muitos afirmam que não se trata
exatamente de gasto, mas de investimento. Isso, para não falar no ganho
qualitativo, que nem se pode medir, do bem-estar das pessoas.
Terceiro, o saneamento. Vão longe os tempos em que um governador de
São Paulo, Paulo Egydio Martins, lamentava que canos não dão votos,
porque estão debaixo da terra e ninguém os vê - ao contrário, por
exemplo, do asfalto ou do poste, que seriam mais populares. Hoje, ao
contrário, as pessoas sabem que água e esgoto trazem saúde. Salvam
vidas, sobretudo de recém-nascidos. O que o seu candidato propõe a
respeito? Quantos domicílios em sua cidade não têm água tratada, ou
esgoto? Ele sabe quantos? Tem propostas a respeito?
Quarto, o trânsito. O trânsito é o problema. O transporte público é a
solução. Em várias cidades do Brasil, fazem-se mais viagens por dia de
carro do que de ônibus. Isso é absurdo. Andar só de carro é
insustentável, do ponto de vista econômico e ecológico. Infelizmente, o
Brasil aposta na indústria automobilística para crescer. Será preciso
mudar isso. Mas a mudança começa pelo município. Precisamos ter uma
rede boa de transporte público para, depois, adotar o pedágio urbano,
restringir vias ao tráfego privado, premiar em termos de tempo e tarifa
quem usa ônibus, metrô ou bondes (que deveriam voltar, como voltaram à
Europa em grande estilo). Isso finalmente exigirá, ou melhor,
permitirá que mudemos nossa matriz de produção, comércio e imaginação,
em que o carro particular tem há décadas um peso tão significativo.
Este é um rol pequeno de temas, mas todos eles essenciais. Se
conseguirmos focar a discussão neles, poderemos ter melhores prefeitos -
e vereadores. O ganho social dessa melhora será enorme.
FONTE: Valor Econômico - 11/06/2012
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. Escreve às segundas-feiras
"grifo nosso "
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