MANTEGA VÊ "REVOLUÇÃO" EM MUDANÇAS NA TAXA DE JUROS
E NO CÂMBIO
Autor(es): Por Claudia Safatle | De Brasília
Para o ministro da Fazenda, Guido Mantega, do tripé que tem
pautado a política macroeconômica desde 1999, dois são elementos
permanentes: o regime de metas de inflação - "temos que mantê-la sob
controle e não tem conversa" - e a solidez fiscal. Já o câmbio
flutuante, segundo ele, "depende do que o resto do mundo está fazendo".
Mantega não admite que de março para cá a taxa de câmbio no Brasil
passou a ser administrada, quase fixa. "Fixa, não. Paramos de brincar.
Nosso sistema é de flutuação suja, como todos", disse ao Valor. A nova
gestão cambial, explicou, foi uma reação que vai durar o tempo que for
necessário para defender o país do conflito cambial que tornou-se agudo
após a crise de 2008.
"Para nós, o ideal é o câmbio flutuante, sem manipulações.
Agora, se todo mundo começa a manipular a taxa de câmbio, nós também
vamos. Não podemos ficar assistindo os outros se apropriarem do nosso
mercado e derrubar a nossa indústria". Nos últimos anos, quando o país
ainda conseguiu crescer com uma moeda bastante valorizada, "nós fizemos
milagre", diz. Prosseguir nesse caminho, para ele, seria desastroso.
"Para onde vai a nossa competitividade? Vai para o vinagre! Não
podíamos continuar".
Guido Mantega: "Começamos a sentir os primeiros efeitos do câmbio na reação das exportações de manufaturados"
O país está vivendo uma "revolução" cujos efeitos ainda estão por
vir, avalia o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao referir-se à queda
da taxa básica de juros de 12,5% para 7,25% ao ano e à desvalorização
da taxa de câmbio obtida nos últimos seis meses.
No início, os efeitos dessas duas mudanças podem ser até negativos,
disse ele, seja porque o rendimento das aplicações financeiras fica
baixo, ou porque empresas que serão beneficiadas por um câmbio mais
competitivo também tinham dívidas em moeda estrangeira. "Tem o custo de
adaptação a esses novos preços, mas já começamos a sentir os primeiros
efeitos do câmbio na reação das exportações de produtos
manufaturados", indicou, em conversa com o Valor.
Do tripé da política econômica, formado pelo regime de metas para a
inflação, superávit fiscal e câmbio flutuante, Mantega considera
"permanentes, fundamentais" apenas dois: a meta de inflação, " que tem
que ser mantida sob controle e não tem conversa" - e a política de
solidez fiscal. Sobre esse último, ele disse que continua em busca do
superávit primário das contas públicas de 3,1% do Produto Interno Bruto
(PIB), mas com a prerrogativa de poder descontar uma parcela dos
investimentos de acordo com o comportamento da arrecadação e da
necessidade de fazer desonerações de tributos.
Para o ministro, a economia está reagindo e retomando o nível de
atividade compatível com um crescimento de 4% a 4,5%. Salientou que
houve menor ritmo de expansão em setembro comparado com agosto, porque
também houve, no mês passado, apenas 19 dias úteis contra 23 dias úteis
em agosto. Dessazonalizando os dados, ele sustenta que houve
crescimento.
A inflação não está sob risco, acredita o ministro. A taxa vinha
convergindo para o centro da meta quando, em julho, os preços das
commodities agrícolas subiram no mercado internacional, configurando-se
um choque de oferta. " Não há o que fazer com choque de preços de
alimentos", disse, olhando os dados de uma tabela de maneira minuciosa e
identificando o que já está retrocedendo: " Veja, os preços das
hortaliças e legumes já cederam, caíram 5,8% em quatro semanas",
comentou. Os índices gerais de preços também estão se acalmando, reflexo
da acomodação no atacado e em um ou dois meses, calcula ele, isso vai
se refletir nos preços do varejo. O choque de oferta é passageiro,
garante o ministro, e a margem de tolerância de dois pontos na meta de
inflação de 4,5% é para acomodar esses eventos.
Para ele, o sinal vermelho da política de controle da inflação
acende no governo muito antes de ela apontar para o teto da meta, que é
de 6,5%, e não há risco de um recrudescimento dos índices de preços no
ano que vem. " O Banco Central olha as tendências e, tirando o risco
eventual de choques de oferta, não há pressão inflacionária vinda de
fora. O cenário externo é mais de deflação."
A crise na zona do euro, na visão de Mantega, também não será tao
prolongada quanto alguns imaginam. " A contração lá não se sustenta.
Não tem sustentação política nem social", acredita, vislumbrando mais
uns dois anos de baixo crescimento.
Não há certeza de que o governo poderá cumprir a meta fiscal de
2013, em princípio de 3,1% do PIB. "Quando se pensa em política fiscal,
estamos sempre perseguindo a meta cheia, mas temos a prerrogativa de
abater uma parte dos investimentos. O que não é tolerável é deduzir
gasto de custeio."
A política fiscal é anticíclica desde 2007-2008, e o que o governo
persegue é a redução da dívida como proporção do PIB e do déficit
nominal. "No passado, ela não era anticíclica e o governo mirava apenas
o resultado primário. Nós aperfeiçoamos o conceito da política fiscal,
pois você pode fazer um belo superávit primário e ainda assim ter
deterioração fiscal, com aumento do déficit nominal".
Com o reforço fiscal de 2011, criou-se condições para o Banco
Central aproveitar a crise das economias maduras para reduzir os juros
básicos (a Selic). O corte de 5,25 pontos percentuais da Selic devolve a
título de juros, para o governo, algo como R$ 50 bilhões, mencionou o
ministro.
O objetivo da política econômica tem que ser compatibilizado, de
forma que a inflação continue sob controle, o governo consiga obter uma
taxa mais razoável de crescimento e consiga, também, um câmbio que
seja competitivo para a indústria local. "Se exagerarmos em alguma
dessas variáveis, não conseguiremos cumprir esses objetivos. temos que
compatibiliza-las", disse Mantega.
"A meta de inflação e o superávit fiscal são básicos, fundamentais.
Não dá para não cumpri-los". Ele não admite que o governo esteja
relaxando a meta de inflação, permitindo algo na casa dos 5,5% e não
buscando o centro da meta, de 4,5%. "Não está sendo relaxada, não",
assegurou, atribuindo o aumento do IPCA ao choque de preços das
commodities agrícolas, decorrente da seca nos Estados Unidos, e
problemas decorrentes de seca também aqui. Quanto à taxa de câmbio,
reiterou que o governo optou por uma gestão ativa. " O câmbio não
depende de nós. O regime depende do mundo, dos nossos parceiros".
Mesmo com a depreciação do real frente ao dólar americano nos
últimos seis meses, uma taxa ao redor de R$ 2 ainda estaria apreciada
em cerca de 22% diante de uma cesta de moedas.
O tripé, que tem sustentado a estabilidade econômica há 13 anos, não
é um dogma. "Você pode ter o tripé sendo rigorosamente cumprido e não
crescer. Pode cumprir a meta de inflação com uma política monetária
contracionista. Poderíamos estar com juros reais de 5%, com a inflação
rigorosamente no centro da meta, mas sem crescimento". Num período de
crise glocal, porém, a política monetária tem que ser flexível, disse.
Ele está confiante de que o crescimento econômico virá pelo aumento
do investimento, como fruto do conjunto de medidas de redução de custos
de produção, da retomada das concessões de serviços públicos para
exploração do setor privado, pelo setor privado. Mantega atribui a
demora da reação da atividade econômica à crise externa. Os mercados da
Europa pioraram substancialmente este ano e os EUA continuam andando de
lado. Mas as mudanças protagonizadas pelo governo vão reverter o
quadro.
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