Affonso Romano de Sant"Anna
Kenneth Maxwell escreveu outro dia um artigo na Folha de S.Paulo
dizendo da importância do ano 1962. Foi aí que os Beatles apareceram
cantando Love me do, a Laranja mecânica, de Anthony Bueguess, foi
lançado, o astronauta John Gleen deu uma volta no espaço em torno da
Terra, Marilyn Monroe foi encontrada morta, surgiu a série de James
Bond através do Satânico Dr. No, houve aquela crise dos mísseis entre
EUA e Rússia, por causa de Cuba, e Bob Dylan estava cantando Blowin in
the wind.
Como brasileiro, devo adicionar logo que 1962 foi o ano da Copa no Chile e o Brasil sagrou-se campeão com time um memorável. Tão entusiasmado fiquei que fiz um poema para Garrincha. Grande Otelo dizia esse poema num show em boates cariocas. Mas, literariamente, a coisa ia mais longe. Realizou-se o histórico 2º Congresso Nacional de Crítica e História Literária, em Assis (SP). Toda a literatura brasileira estava lá. Eu era um simples estudante de Letras da UFMG e fui ver para crer. Até aí morreu Neves, podem pensar. Não é bem assim. Tancredo Neves estava vivo e era primeiro-ministro do governo Jango. E agora, 50 anos depois, me convidam para voltar a Assis e fazer uma conferência de abertura narrando o que foi a poesia brasileira nos últimos 50 anos.
E começo a repassar o ano de 1962. Decorrência daquele congresso em Assis, o grupo concretista de Invenção se aproximou dos mineiros de Tendência. Os concretos anunciaram o “salto participante”, que não ocorreu. E a revista Tendência nº 4 relata esse encontro/desencontro, que ficaria mais nítido o ano seguinte na Semana Nacional de Poesia de Vanguarda patrocinada pela reitoria da UFMG.
Ser de vanguarda era um imperativo (ou ilusão). Os concretos eram vanguarda, Tendência era vanguarda, os artistas do Centro Popular de Cultura da UNE eram de vanguarda. Os primeiros pregavam a revolução das formas, os últimos outras formas de revolução. Estes eram mais perigosos. Tanto é que quando a direita botou fogo no prédio da UNE em 1964, os que pregavam outras formas de revolução é que os exilados, torturados, censurados, e não os formalistas, que não ameaçavam o regime.
Eu tentava ingenuamente forçar o diálogo entre esses grupos inconciliáveis. Tendo, neste ano histórico, publicado poemas no primeiro Violão de rua ao lado de figurões de nossa literatura, fui ao lançamento da antologia naquele prédio da UNE no Rio. Paulo Mendes Campos assentado ao meu lado não tendo a menor noção de quem era aquele moço provinciano, botou uma dedicatória assim: “Para Affonso, que súbito encontrei à minha esquerda”.
Talvez eu fosse de esquerda, mas eu não era comunista, nunca fui do PC. Tanto assim que minha ficha no Dops dizia: “Comunista sem qualificação”. Será que era um “inocente útil”? Não era tão “inocente” assim. Talvez fosse “inútil”. Isso se depreende do livro que, estudante, publiquei naquele histórico ano: O desemprego do poeta.
No Violão de rua tinha um poema meu, tipo cordel, falando em revolução, ligas camponesas e Julião. Mas havia outro poema formalista que começava assim: “Outubro/ou nada”. Dezesseis anos depois do golpe de 64, me encontrei na praia com um exilado que voltara da Europa e ele me disse: “Se lembra daquele seu poema que dizia “Outubro/ou nada”? Pois é, companheiro, deu “nada”.
Às vezes, no entanto, penso que meu amigo se enganou.
“Talvez eu fosse de esquerda, mas eu não era comunista, nunca fui do PC. Tanto assim que minha ficha no Dops dizia: ‘Comunista sem qualificação’. Será que era um ‘inocente útil’? Não era tão ‘inocente’ assim. Talvez fosse ‘inútil’”
Como brasileiro, devo adicionar logo que 1962 foi o ano da Copa no Chile e o Brasil sagrou-se campeão com time um memorável. Tão entusiasmado fiquei que fiz um poema para Garrincha. Grande Otelo dizia esse poema num show em boates cariocas. Mas, literariamente, a coisa ia mais longe. Realizou-se o histórico 2º Congresso Nacional de Crítica e História Literária, em Assis (SP). Toda a literatura brasileira estava lá. Eu era um simples estudante de Letras da UFMG e fui ver para crer. Até aí morreu Neves, podem pensar. Não é bem assim. Tancredo Neves estava vivo e era primeiro-ministro do governo Jango. E agora, 50 anos depois, me convidam para voltar a Assis e fazer uma conferência de abertura narrando o que foi a poesia brasileira nos últimos 50 anos.
E começo a repassar o ano de 1962. Decorrência daquele congresso em Assis, o grupo concretista de Invenção se aproximou dos mineiros de Tendência. Os concretos anunciaram o “salto participante”, que não ocorreu. E a revista Tendência nº 4 relata esse encontro/desencontro, que ficaria mais nítido o ano seguinte na Semana Nacional de Poesia de Vanguarda patrocinada pela reitoria da UFMG.
Ser de vanguarda era um imperativo (ou ilusão). Os concretos eram vanguarda, Tendência era vanguarda, os artistas do Centro Popular de Cultura da UNE eram de vanguarda. Os primeiros pregavam a revolução das formas, os últimos outras formas de revolução. Estes eram mais perigosos. Tanto é que quando a direita botou fogo no prédio da UNE em 1964, os que pregavam outras formas de revolução é que os exilados, torturados, censurados, e não os formalistas, que não ameaçavam o regime.
Eu tentava ingenuamente forçar o diálogo entre esses grupos inconciliáveis. Tendo, neste ano histórico, publicado poemas no primeiro Violão de rua ao lado de figurões de nossa literatura, fui ao lançamento da antologia naquele prédio da UNE no Rio. Paulo Mendes Campos assentado ao meu lado não tendo a menor noção de quem era aquele moço provinciano, botou uma dedicatória assim: “Para Affonso, que súbito encontrei à minha esquerda”.
Talvez eu fosse de esquerda, mas eu não era comunista, nunca fui do PC. Tanto assim que minha ficha no Dops dizia: “Comunista sem qualificação”. Será que era um “inocente útil”? Não era tão “inocente” assim. Talvez fosse “inútil”. Isso se depreende do livro que, estudante, publiquei naquele histórico ano: O desemprego do poeta.
No Violão de rua tinha um poema meu, tipo cordel, falando em revolução, ligas camponesas e Julião. Mas havia outro poema formalista que começava assim: “Outubro/ou nada”. Dezesseis anos depois do golpe de 64, me encontrei na praia com um exilado que voltara da Europa e ele me disse: “Se lembra daquele seu poema que dizia “Outubro/ou nada”? Pois é, companheiro, deu “nada”.
Às vezes, no entanto, penso que meu amigo se enganou.
“Talvez eu fosse de esquerda, mas eu não era comunista, nunca fui do PC. Tanto assim que minha ficha no Dops dizia: ‘Comunista sem qualificação’. Será que era um ‘inocente útil’? Não era tão ‘inocente’ assim. Talvez fosse ‘inútil’”
Fonte: Correio Braziliense - 14/10/2012
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