Autor(es): Por Rodrigo Pedroso | De São Paulo
Tereza Campello: R$ 1 aplicado no Bolsa faz retornar R$ 1,44 para a economia
O programa Bolsa Família completou no sábado, dia 20, nove anos de
existência, com status de intocável dentro do governo e permissão para
gastar no próximo ano 10% a mais que neste. O programa, que atende 13,5
milhões de famílias na linha da pobreza, custou R$ 20 bilhões em 2012 -
o correspondente a 0,46% do Produto Interno Bruto (PIB) previsto para
este ano.
Tereza Campello, ministra do Desenvolvimento Social desde 2011, é
hoje uma das pessoas mais ligadas ao programa e à sua história. No PT
desde sua fundação, a economista nascida na cidade paulista de
Descalvado foi uma das responsáveis por elaborar e implementar o Bolsa,
criado por medida provisória em 2003 e lei desde janeiro de 2004.
Em entrevista ao Valor, a ministra fez um balanço do programa e
falou sobre o que considera ser a derrubada dos mitos criados após sua
implementação, como o "efeito preguiça", e em como a vigilância da
sociedade ajudou a desenvolver o sistema e a métrica usados nos
cadastros. "Todo gasto tem uma marquinha no Ministério da Fazenda,
exatamente para não sofrer contingenciamento."
Tereza comemorou o desempenho dos alunos do Bolsa em relação à média
das escolas públicas, constatado nos último Censo, de 2010. A taxa de
evasão escolar para os alunos do programa era de 7,2% para alunos do
Ensino Médio e de 3% para alunos do Ensino Fundamental. No mesmo ano, a
média geral era de 11,5% para o Médio e de 3,5% para o Fundamental. O
resultado, afirmou, ficou acima do esperado. A seguir, os principais
trechos da entrevista:
Valor: Qual a sua avaliação dos nove anos do programa Bolsa Família? Quais foram os erros e acertos?
Tereza Campello: É difícil encontrar uma política social no Brasil
que tenha sido tão avaliada. Há dezenas de teses de mestrado e
doutorado sobre o tema, além de a imprensa e o Tribunal de Contas
também terem ficado em cima. Isso nos dá muita tranquilidade para
analisar. O programa só trouxe resultados positivos para o Brasil, pois
garantiu que as famílias tivessem comida três vezes por dia. Garantiu
também duas frentes em que tínhamos expectativas: melhorar o desempenho
escolar e diminuir a desnutrição das crianças. É difícil levantar
alguma coisa que o programa tenha errado, apesar de eu ser suspeita
para dizer.
Valor: Uma das críticas ao programa é que ele não apresenta porta de saída aos beneficiários...
Tereza: A entrada e a saída são permanentes. Em torno de 5 milhões
de famílias saíram do programa desde 2003, que começou com 4,5 milhões,
veio crescendo e hoje tem 13,5 milhões de famílias. Parte dessas que
se desligaram podem ter voltado, não há regras quanto a isso. As
famílias têm direito a ficar dois anos no programa sem se recadastrar
desde que cumpram as condicionalidades e mesmo que a renda tenha
melhorado no período. Esse tempo é grande em função da volatilidade e
vulnerabilidade de renda dessa população. A família acaba se desligando
definitivamente quando atinge estabilidade de renda maior.
Valor: Os alunos do Bolsa apresentam menor índice de repetição de
ano e evasão escolar do que o total de estudantes matriculados no
ensino público brasileiro. Por quê?
Tereza: A ideia de fomentar o desempenho escolar como contrapartida
existia em 2003. Mas não dava para termos esse tipo de acompanhamento,
pois não havia um sistema para verificar a frequência das crianças.
Fomos evoluindo e mudando o cadastro geral, que está em sua sétima
versão e neste ano ganhou um conjunto de informações, como a origem e a
ocupação das famílias. Atualmente, recebemos a cada dois meses
informações das frequências de todas as escolas que possuem alunos do
programa, com exceção de algumas muito isoladas. São 15 milhões de
estudantes acompanhados por bimestre. Uma das ferramentas de
contrapartida foi a frequência mínima exigida (85%), que hoje é maior
que a do sistema geral (75%). Quando pensamos o programa, era desejável
que tivéssemos redução da evasão e melhoria na frequência para que as
crianças do Bolsa se igualassem às demais. O que nos surpreendeu foi
esse desempenho superior.
Valor: Como o Brasil sem Miséria e o Bolsa se complementam?
Tereza: O Brasil Carinhoso, que é um dos 16 programas do Brasil sem
Miséria e fornece auxílio para a segurança alimentar das crianças de
zero a seis anos, pegou um gancho interessante. Não teríamos conseguido
sem os nove anos do Bolsa. Por causa do cadastro único e sua
penetração, anunciamos em um mês e no seguinte já realizamos os
primeiros pagamentos. Se a criança nascer e a mãe registrar, temos esse
dado hoje online, que vai direto para o cadastro. Assim conseguimos
tirar as informações de renda para complementá-la. Vemos o rendimento
da família, o benefício que ela já recebe, o número de pessoas
pertencentes a ela e quanto falta para chegar a R$ 70 por membro. É uma
conta hiperelaborada. Teve gente que recebeu R$ 12 a mais, outras mais
e por aí vai. Conseguimos isso em um mês por causa da tecnologia
social que desenvolvemos. E esse programa vem como um passo adiante na
formação, pois antes conseguimos universalizar as crianças de sete a 15
anos em salas de aula. Hoje falta creche para todas as crianças do
Brasil. Pelos dados do censo de 2010, tínhamos em torno de 23% das
crianças brasileiras atendidas. A métrica mundial recomenda que 50%
esteja nesse pré-ensino.
Valor: Então é necessário dobrar o número de vagas no país...
Tereza: Só que em geral quem mais precisa é quem está fora da
creche. Por isso estamos pagando a mais para garantir os estímulos de
vagas às crianças.
Valor: Os cursos do Pronatec previstos para integrar o Brasil Sem
Miséria, até março, haviam preenchido 82 mil vagas das 1 milhão
previstas até o fim de 2014. Qual o último balanço do programa?
Tereza: Temos 550 mil vagas abertas para este ano, com 209 mil delas
preenchidas. Em março tínhamos acabado de abrir o plano, nunca tinha
sido feito nesse volume. Esses cursos têm sido ocupados por jovens
entre 18 e 35 anos, sendo que mais de 70% desse público é de mulheres
jovens negras, o que também mostra uma preponderância da mulher dentro
da família.
Valor: Com o crescimento econômico e a ampliação dos programas,
parte considerável da população de baixa renda deixou a pobreza
extrema. O governo está pensando em saídas do programa?
Tereza: Isso está começando a acontecer. A grande maioria se
desligou porque conseguiu emprego melhor. No entanto, 56% do público do
Bolsa Família tem menos de 18 anos. A porta de saída para esse perfil é
a escola. Por esse ponto de vista, construímos portas de saída para
mais da metade do nosso público. Se é que queremos discutir isso, pois o
Bolsa foi a porta de entrada dele para a cidadania. Por outro lado,
daqueles com mais de 18 anos, 72% que estão no Bolsa trabalham. Então
não é verdade que quem entra no programa para de trabalhar. Há essa
percepção de que a pessoa é pobre por não trabalhar. Errado: ela é
pobre em geral porque trabalha em um emprego vulnerável ou degradante. E
muitas vezes foi o programa que a ajudou a ter emprego melhor. A renda
e o emprego aumentaram mais no Brasil exatamente nas cidades onde há
maior presença do Bolsa, provando ele não é incompatível com o emprego.
Valor: As críticas ajudaram a solidificar o Bolsa Família?
Tereza: Não acho que as pessoas queriam acabar com ele. Elas diziam o
que acreditavam. Por exemplo, elas acreditavam que o Bolsa aumentava o
número de filhos. Hoje o Censo mostra que a queda de natalidade
aconteceu principalmente na população pobre do Brasil, que registrou
redução muito maior do que nas outras faixa de renda. Está provado que o
programa não aumentou o "efeito preguiça", ou seja, que as pessoas
pararam de trabalhar por receber o benefício. Está provado que as
famílias não usam o dinheiro para gastar mal, pois as pesquisas indicam
melhora de alimentação das famílias, assim como maior aquisição de
materiais usados em higiene pessoal e educação.
Valor: O Bolsa atinge um em cada quatro brasileiros. Qual o orçamento previsto para 2013?
Tereza: O programa tem neste ano R$ 20 bilhões de verba, com
ampliação de R$ 2 bilhões em relação a 2011. Para o ano que vem, o
orçamento está em R$ 22 bilhões.
Valor: Só a desoneração da folha de pagamentos deve fazer com que a
Receita deixe de arrecadar R$ 12 bilhões em 2013. Como sua pasta se
insere nesse cenário de possível desaceleração da arrecadação?
Tereza: Não tivemos redução de nenhum item do Brasil Sem Miséria
neste ano e nem teremos em 2013. Ampliamos verbas para todos os
programas. Nossa avaliação é de que os repasses não vão estagnar, pois a
ampliação da demanda agregada do país melhora a arrecadação. Esse
debate de que gasto social atrapalha o Estado não se verificou. Temos
um estudo que mostra que R$ 1 aplicado no Bolsa faz retornar R$ 1,44
para a economia, que gera impostos e alimenta o governo novamente.
Valor: A pasta está blindada dentro do orçamento do governo?
Tereza: Nenhum recurso nosso está sendo contingenciado ou tem
perspectiva de ser. Todo gasto do Brasil Sem Miséria tem uma marquinha
no Ministério da Fazenda, exatamente para não sofrer contingenciamento.
Isso a presidente já tem anunciado, assim como a ministra do Planejamento, Miriam Belchior,
e o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Todos os materiais da Fazenda
possuem um capítulo social. Há a percepção de que esse gasto cria um
movimento dinamizador na economia, pois gera novos consumidores.
Leia uma versão ampliada da entrevista no site do "Valor"
Fonte: Valor Econômico - 24/10/2012
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