Autor(es): Andrea Gouvêa Vieira
"Não é sanha arrecadatória e sim questão de justiça fiscal". Com essa
explicação, o prefeito Eduardo Paes expurgou da lista de promessas
feitas na campanha eleitoral o compromisso de não aumentar o IPTU. O
sistema está desorganizado, justificou. Nisso, Paes está certo. Mas por
que só agora, prefeito? O novo IPTU está pronto. Não foi enviado à
Câmara Municipal porque o prefeito temia as eleições. O atual sistema é
uma aberração. Nos últimos 12 anos pagaram IPTU apenas 30% dos imóveis
cadastrados — residências, comércio e terrenos. Os outros 70% estão
isentos. Seus proprietários sequer recebem o carnê para pagamento. E
nessa conta nem entram as favelas, um terço do território do município.
O vereador Professor Uoston, morador de Ricardo de Albuquerque, por
exemplo, está isento, assim como uma colega de gabinete, moradora de
uma confortável casa na Vila da Penha. Ambos acham que deveriam pagar!
Toda vez que o assunto veio a público, o prefeito fugiu. Quando cobrei o
enfrentamento do problema, ele disse que eu era "republicana demais".
Preferiu criar a contribuição de iluminação pública, usando um vereador
da base governista como "laranja". Achou que cumpriu a promessa de que
não mexeria nos impostos. Nessa campanha repetiu o compromisso. E,
reeleito, rompe. Existem imóveis isentos de IPTU em toda a cidade — em
Copacabana, são 35% dos apartamentos —, mas nas zonas Norte e Oeste a
isenção é generalizada. Não por acaso onde o prefeito tem sua maior
votação. Quem ousa mexer com dois terços do eleitorado? A atual
legislação, de dezembro de 1999, é resultado de uma tumultuada
aprovação do projeto de lei enviado às pressas à Câmara Municipal,
depois que o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional a
cobrança de alíquotas de IPTU diferenciadas, caso do Rio. Sem uma nova
lei, a Prefeitura não arrecadaria o imposto no ano seguinte. A proposta
faria com que os imóveis mais valorizados tivessem a alíquota
reduzida, e os menos valorizados, a alíquota aumentada. Ou seja: rico
pagaria menos, classe média mais. Na Câmara Municipal o projeto foi
emendado de tal maneira, para proteger uns e outros, que, na passagem
do ano, um milhão de imóveis dos 1 milhão e 800 mil cadastrados
deixaram de contribuir; hoje apenas 40% das residências, 8,7% dos
terrenos e metade das salas comerciais recebem o carnê. Na época, o
partido do ex-prefeito Cesar Maia, já na oposição, liderou a batalha
contra o novo IPTU. No entanto, ao reassumir a Prefeitura, onde ficou
por mais oito anos, não ousou mexer naquele monstrengo, apesar de, já
em 2001, a alíquota diferenciada ter sido aprovada pelo Congresso. Paes
adiou a reforma por mais quatro anos, com medo do eleitor. Mesmo com
um imposto capenga, a arrecadação cresceu de cerca de R$ 12 bilhões, em
2009, para R$ 21 bilhões, em 2012. Por que, então, fazer as pessoas
pagarem mais? A questão precisa ser vista de vários ângulos. Um deles é a
justiça fiscal. O Poder Público é obrigado a arrecadar o suficiente
para atender às necessidades de todos, de acordo com a possibilidade de
cada um. A contribuição de apenas 30% de imóveis é uma distorção. A
questão, portanto, não é pagar mais, e sim ampliar a base dos
contribuintes. Outro ângulo a ser examinado é se a arrecadação é
suficiente para os gastos. A previsão para 2013 é de aumento de 15% dos
tributos em relação a 2012. Todos os tributos municipais terão
crescimento acima da inflação. Mas as despesas vão consumir rapidamente a
receita. Os tributos municipais somados (R$ 8,4 bilhões) serão
insuficientes para pagar a folha de pessoal e encargos sociais (R$10,4
bilhões). As transferências de impostos estaduais e federais (R$ 8
bilhões) equivalem aos gastos com manutenção da máquina pública,
pagamento de terceirizados, organizações sociais (R$ 8 bilhões) — um
aumento de 24% em relação a 2012. Se comparado a 2008, aumento de 150%! A
pressão por investimentos, para fazer frente a compromissos dos
próximos anos, e o crescimento vertiginoso do gasto com a manutenção de
novos equipamentos de saúde e educação e com a terceirização crescente
dos servidores levam o prefeito a se expor ao risco de quebrar tão
rapidamente uma promessa. Paes reforça a péssima imagem dos políticos
junto aos eleitores. Mas...por que só agora? É a política, seus tolos!
Fonte: O Globo - 18/10/2012
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