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quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Mundo armado e paz subfinanciada

Autor(es): Ban Ki-moon
Em julho deste ano, interesses conflitantes impediram um acordo sobre um tratado essencial que teria reduzido o terrível custo humano provocado pelo mal regulado comércio de armas internacional. Enquanto isso, os esforços de desarmamento nuclear permanecem paralisados, apesar do forte e crescente sentimento popular global em apoio a esta causa.
O fracasso dessas negociações e os aniversários, em agosto, dos bombardeios atômicos de Hiroshima e Nagasaki proporcionam uma boa oportunidade para explorar o que deu errado, por que o desarmamento e o controle de armas têm se mostrado tão difíceis de se alcançar e como a comunidade internacional pode voltar ao caminho desses objetivos de vital importância.
Muitos estabelecimentos de defesa reconhecem agora que a segurança significa muito mais do que proteger as fronteiras. Preocupações graves de segurança podem surgir como resultado das tendências demográficas, da pobreza crônica, da desigualdade econômica, da degradação ambiental, de doenças pandêmicas, do crime organizado, da governança repressiva e de outros acontecimentos que nenhum Estado pode controlar sozinho. Armas não podem resolver essas preocupações.
A pobreza crônica corrói a segurança. Vamos reduzir os gastos com armas nucleares e, no lugar, investir em desenvolvimento social e econômico, que serve aos interesses de todos ao expandir mercados, reduzir motivações para conflitos armados
No entanto, houve um atraso preocupante entre reconhecer esses novos desafios de segurança e lançar novas políticas para enfrentá-los. Prioridades orçamentais nacionais ainda tendem a refletir os velhos paradigmas. Gastos militares maciços e novos investimentos na modernização de armas nucleares deixaram o mundo mais armado - e a paz subfinanciada.
No ano passado, os gastos militares globais declarados ultrapassaram US$ 1,7 trilhão - mais de US$ 4,6 bilhões por dia, o que representa quase o dobro do orçamento da ONU para um ano inteiro. Essa generosidade inclui mais bilhões para a modernização dos arsenais nucleares para as décadas futuras.
Esse nível de gastos militares é difícil de explicar em um mundo pós-Guerra Fria e em meio a uma crise financeira global. Os economistas chamam isso de "custo de oportunidade". Eu chamo de oportunidades humanas perdidas. Orçamentos de armas nucleares estão especialmente maduros para sofrer cortes profundos.
Essas armas são inúteis contra as ameaças atuais à paz e à segurança internacionais. Sua existência é desestabilizadora: quanto mais são apregoadas como indispensáveis, maior é o incentivo para a sua proliferação. Riscos adicionais surgem decorrentes de acidentes e dos efeitos ambientais e de saúde da manutenção e desenvolvimento de tais armas.
Chegou a hora de reafirmar compromissos de desarmamento nuclear e garantir que esse término comum seja refletido em orçamentos, planos e instituições nacionais.
Há quatro anos, eu esbocei uma proposta de desarmamento de cinco pontos destacando a necessidade de uma convenção sobre armas nucleares ou um quadro de instrumentos para alcançar este objetivo.
No entanto, o impasse sobre o desarmamento continua. A solução claramente depende de mais esforços por parte dos Estados no sentido de harmonizar suas ações para alcançar objetivos comuns. Aqui estão algumas ações específicas que todos os Estados e a sociedade civil deveriam perseguir para superar este impasse: apoiar esforços da Federação Russa e dos Estados Unidos para negociar profundos cortes verificados em seus arsenais nucleares, tanto os à disposição para uso quanto os armazenados.
Obter a adesão de outros que possuem tais armas para se juntar ao processo de desarmamento.
Estabelecer moratória sobre as armas nucleares em desenvolvimento ou em produção ou sobre novos sistemas de distribuição.
Negociar um tratado multilateral proibindo materiais físseis que possam ser usados em armas nucleares.
Acabar com as explosões nucleares e pôr em vigor o Tratado Global para banir testes nucleares.
Parar de implantar armas nucleares em solo estrangeiro e remover tais armas.
Garantir que os Estados que possuam armas nucleares se reportem a um repositório público da ONU sobre o desarmamento nuclear, incluindo detalhes sobre o tamanho da matriz, material físsil, sistemas de distribuição e o progresso para alcançar os objetivos de desarmamento.
Criar um Oriente Médio livre de armas nucleares e de outras armas de destruição em massa.
Garantir a adesão universal nos tratados que proíbem armas biológicas e químicas.
Perseguir esforços paralelos sobre controle de armas convencionais, incluindo um tratado de comércio de armas; controles fortalecidos sobre o comércio ilícito de armas pequenas e armas leves; adesão universal às Convenções de Proibição de Minas, de Munições de Dispersão e de Armas Inumanas; e participação ampliada no Relatório da ONU sobre Gastos Militares e no Registro das Nações Unidas de Armas Convencionais.
Desenvolver iniciativas diplomáticas e militares para manter a paz e a segurança em um mundo sem armas nucleares, incluindo novos esforços para resolver disputas regionais.
E talvez, acima de tudo, temos de abordar as necessidades humanas básicas e alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. A pobreza crônica corrói a segurança. Vamos reduzir drasticamente os gastos com armas nucleares e, no lugar, investir em desenvolvimento social e econômico, que serve aos interesses de todos ao expandir mercados, reduzir motivações para conflitos armados e proporcionar aos cidadãos uma participação em seu futuro comum. Como o desarmamento nuclear e a não proliferação, tais objetivos são essenciais para garantir a segurança humana e um mundo de paz para as gerações futuras.
Sem desenvolvimento não há paz. Sem desarmamento não existe segurança. No entanto, quando ambos avançam, o mundo avança com maior segurança e prosperidade para todos. Estes são objetivos comuns que merecem o apoio de todas as nações.
Ban Ki-moon é secretário-geral da ONU
Fonte: Valor Econômico - 05/09/2012

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