Autor(es): Por Juliano Basile, Maíra Magro e Caio Junqueira | De Brasília
Bastou
o revisor do processo do mensalão, ministro Ricardo Lewandowski, pedir
novas absolvições, ontem, para o relator, ministro Joaquim Barbosa,
ficar indignado e o tom voltar a subir no Supremo Tribunal Federal
(STF). Ambos protagonizaram várias discussões tensas na 28ª sessão e o
julgamento ainda não chegou à metade. A Corte Suprema está analisando a
primeira parte do quarto dos sete itens da Ação Penal nº 470 - o que
trata das acusações de envio de dinheiro para parlamentares votarem a
favor do governo.
O primeiro embate se deu logo após Lewandowski absolver o ex-líder
do PMDB José Borba por lavagem de dinheiro. O ex-deputado recebeu R$
200 mil no Banco Rural das mãos de Simone Vasconcellos, uma
ex-funcionária do publicitário Marcos Valério. O revisor condenou Borba
por corrupção, mas alegou que não viu crime antecedente para punir
Borba por lavagem de dinheiro. "É preciso demonstrar que o réu sabia,
ou pelo menos deveria saber de forma mais apurada, que esse dinheiro
era proveniente de crime contra a administração pública ou crime contra
o sistema financeiro", justificou Lewandowski.
A absolvição irritou Joaquim Barbosa. "Está claro que o dinheiro
vinha de um empresário que tinha contratos com o governo e cujo modo de
agir era conhecido de todos. Havia toda uma engrenagem para essa
distribuição de dinheiro que era conhecida de todos", disse o relator.
"Eu não acho que era tão evidente", rebateu o revisor. "Nós não podemos
partir de uma pressuposição de que era tudo lógico, de que havia um
núcleo", continuou.
"Mas nós estamos há dois meses julgando a mesma coisa", afirmou
Barbosa. Em seguida, o relator pediu para o revisor distribuir seu voto
no início da sessão, "como eu tenho feito, porque facilita o debate".
"Ministro, não é praxe e meu voto está num constante fazer e refazer",
respondeu Lewandowski. "Não posso fazê-lo."
Barbosa apelou, então, à necessidade de transparência, o que fez o
ministro Marco Aurélio Mello entrar na discussão: "Mas todos nós
atuamos em público e com transparência". "Eu não estou dizendo o
contrário", esclareceu Barbosa. "Mas vossa excelência insinuou,
contrariado por não ter tido o voto por escrito do revisor", retrucou
Marco Aurélio. "É preciso aceitar a diversidade", pediu. Em seguida,
Barbosa disse que teria de fazer uma réplica e Lewandowski protestou:
"Vossa Excelência quer fazer uma réplica antes de eu terminar o meu
voto?"
Houve outro embate quando Lewandowski condenou o presidente do PTB,
Roberto Jefferson, por corrupção, alegando que ele recebeu R$ 4 milhões
de Marcos Valério, mas absolveu-o do crime de lavagem de dinheiro. O
revisor afirmou que parte do dinheiro foi destinada para uma amante do
então presidente do PTB, José Carlos Martinez, e não para a compra de
votos, como alega a acusação da Procuradoria-Geral da República (PGR).
"O que me interessa disso tudo é o fim, a corrupção para obter um
apoio privado", disse Barbosa. Ele repreendeu o revisor por utilizar
fatos da vida pessoal dos envolvidos no mensalão. "Se a vida pessoal
não tivesse relevância, a Geiza [Dias] e a Ayanna [Tenório] estariam
condenadas", respondeu Lewandowski, lembrando que ambas foram
absolvidas pelo plenário da Corte.
O relator chegou a acusar o revisor de fazer "vista grossa dos
autos", quando ele absolveu o ex-primeiro secretário do PTB Emerson
Palmieri. "Vossa Excelência leu os depoimentos de Marcos Valério e
Simone Vasconcelos. Eles dizem taxativamente que ele [Palmieri] recebeu
[dinheiro do esquema]. Ele está na lista feita por Valério e
confirmada pelo Delúbio [Soares, ex-tesoureiro do PT]", disse Joaquim
Barbosa. "Se vossa excelência não admite a controvérsia, deveria propor
que o tribunal abolisse a figura do revisor", reclamou Lewandowski.
O presidente da Corte, ministro Carlos Ayres Britto, tentou por
diversas vezes acalmar os ânimos, dizendo que "os mesmos fatos
comportam interpretações diferenciadas". "É uma visão, excelência",
disse Ayres Britto a Joaquim Barbosa. "Se o ministro Lewandowski
estivesse negando a existência do fato, aí seria grave", continuou.
Mas Barbosa subiu o tom em diversas vezes. "Nós, como ministros do
Supremo, não podemos fazer vista grossa", disse o relator. "Cuidado com
a palavra, excelência", advertiu Marco Aurélio Mello. "Nós estamos
atuando de forma correta, ministro. Policie a sua linguagem. Não há
campo para ficar agredindo o colega", completou. Barbosa se defendeu:
"Estou usando muito bem o vernáculo. Mas estou usando sem hipocrisia."
Ricardo Lewandowski fez, então, uma pergunta provocativa: "Vossa
excelência está dizendo que estou fazendo uma leitura deliberadamente
equivocada dos autos ou que quero induzir a erro meus pares? É isso que
vossa excelência quer dizer? Diga explicitamente." "É absolutamente
heterodoxo um ministro ficar medindo os votos do revisor para replicar
no mesmo tamanho", alfinetou Barbosa.
Lewandowski ameaçou interromper a leitura de seu voto: "Estou
estupefato, perplexo, não estou nem entendendo o que vossa excelência
está dizendo. Não sei nem se tem condições de prosseguir, mas farei um
esforço". Apesar da ameaça, Lewandowski continuou o voto e pediu novas
absolvições, o que irritou Barbosa ainda mais.
Outro ponto de debate foi a viagem de Marcos Valério, de seu
advogado Rogério Tolentino e de Emerson Palmieri para tratar de
negócios envolvendo a Portugal Telecom. Lewandowski disse que o motivo
da viagem foi "tratar de um processo que aconteceu muito antes, as
privatizações". Joaquim Barbosa estava fora do plenário, por causa das
dores nas costas, mas voltou para contestar Lewandowski. "Vossa
excelência diz que foram cuidar da privatização. Eu pergunto: algum
desse senhores tinham representação do Estado brasileiro?" "Vossa
excelência está perguntado a mim ou é uma pergunta retórica?", retrucou o
revisor do processo. "Eu gostaria de ser como vossa excelência, que só
tem certezas", ironizou Ricardo Lewandowski.
"Eu vou precisar de um momento para falar dessa viagem, pois é muito
esdrúxula", continuou o relator. "Concordo com vossa excelência. É
tudo muito esdrúxulo", concluiu Lewandowski. O julgamento continua
amanhã com os votos dos demais ministros a respeito dos repasses de
dinheiro para políticos de diversos partidos.
Fonte: | Valor Econômico - 27/09/2012 | |||||
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