Rosângela Bittar
Com o abatimento e o abate de grão-petistas pelo mensalão, mais do que nunca já se trabalha, em Brasília, com o contorcionismo do eixo de poder no PT à medida em que vai avançando o julgamento no Supremo Tribunal Federal: perde musculatura o PT de Lula, aqui considerado o grupo paulista, da majoritária facção articulação, e ganha o PT da Dilma, que tem aliados em todas as facções, inclusive naquele. Uma característica importante do PT que sobe a rampa é não arrastar consigo a direção partidária, ainda tentando equilibrar-se nessa transição mas pendendo, em ações, palavras, obras, defesa e geografia, para os que vão sendo defenestrados da cena política principal.
Essa é uma maneira bastante simplificada de descrever o que vai se redesenhando no partido, pois, óbvio, nem o PT que desce a rampa é todo de Lula, nem o que sobe é de Dilma, que parece dispensar esse tipo de liderança. Nos ensaios do momento, são citados alguns integrantes do grupo do PT que precisa reinventar-se: José Dirceu (mensalão) João Paulo Cunha (mensalão), José Genoíno (mensalão), Ricardo Berzoini (aloprados), Cândido Vacarezza (CPI), Delúbio Soares (mensalão), Antonio Palocci (enriquecimento).
No PT da Dilma, assim caracterizado para efeito de estabelecer um elo entre os integrantes do grupo com poder fortalecido, alistam-se Marcelo Déda (governador), Jaques Wagner (governador), Tião Viana (governador), Gleisi Hoffman (ministra), Ideli Salvati (ministra), Paulo Bernardo (ministro), Fernando Pimentel (ministro), Aluizio Mercadante (ministro), Alexandre Padilha (ministro), José Eduardo Cardozo (ministro).
Há petistas com poder interno mantido, por enquanto, como o presidente do partido, Rui Falcão, que pertencem ao primeiro grupo, como há outros que, como Gilberto Carvalho, secretário geral da Presidência, que atuam no segundo grupo mas com uma função clara determinada pelo primeiro, a de representante pessoal do ex-presidente Lula no Palácio do Planalto. Está para ser reescrita e redesenhada a nova configuração do PT, mas as tentativas prosseguem.
O primeiro grupo tinha a articulação de um projeto a uní-los, o que não se repete no segundo. Palocci guardava um projeto de país na cabeça, o PT de José Dirceu existiu com metas e liderança. O outro PT, que vai sobrando do mensalão, não está amalgamado, é um somatório de projetos individuais, mas como boa parte dele está no governo, convencionou-se chamá-lo de PT da Dilma. Ela será a candidata do partido à reeleição, por isso não há como fugir do pertencimento ao partido. Nesse também há PT de São Paulo, como Aloizio Mercadante e Marta Suplicy, as estrelas ainda brilhando. Gleisi Hoffmann quer ser governadora do Paraná mas nem o PT local está apoiando seu projeto, boa parte dele está com o adversário Ratinho Jr. O mesmo acontece no PT de Pernambuco, onde não há acusados, envolvidos, denunciados ou feridos, mas as correntes não têm meta comum. Esse PT nada tem a ver com o do Paraná, e assim segue a "desorganicidade" do grupo.
Os ministros têm relação próxima entre si e com a presidente, mas nenhuma formulação no conjunto partidário. Como grupo, começa a crescer e caminhar com autonomia agora, e nas próximas eleições internas já terá que buscar uma direção. O atual presidente perfila-se na faixa onde o poder foi corroído, mas não existe o substituto que vai conduzir a recuperação do partido. As lideranças do Parlamento estão exauridas, sem força ou resquício de poder
A presidente Dilma Rousseff não vai liderar a parte do partido que sobreviverá ao julgamento. Ela é a presidente, vai governar, insiste-se. Deu ao antecessor a função de ministro de eleições, ou seja, ministro do PT. É por aí que o partido vai procurar uma unidade de projeto.
Avaliações feitas em torno dessa nova realidade incluem, como elemento transformador, o resultado das eleições municipais que, mais do que sempre, estão balizando as disputas nacionais daqui a dois anos. Se o partido estiver caminhando para um desastre no Recife, em Salvador, em Belo Horizonte, em Curitiba, em Porto Alegre, como prenunciam as últimas avaliações internas, e apesar de tudo conquistar São Paulo, o lulismo voltará fortíssimo com o grupo paulista preservado da Lei da Ficha Limpa e as forças dos outros Estados, mesmo perdedores. Se conseguir dar a volta por cima em todas essas capitais, sobretudo do Nordeste, onde o chão vem cedendo, e perder em São Paulo, o cenário é de depressão: eleição perdida onde seria obrigatório vencer, mensalão mais desastroso do que parecia inicialmente ao partido, sem os comandos da Câmara e do Senado (os dois com o PMDB) a partir de fevereiro, o PT sabe que marchará fragilizado para o início da campanha sucessória da reeleição.
O governo encerrou sua participação, e não insistirá mais com o PMDB, no projeto de manter a governabilidade no Senado com a eleição de um presidente, em fevereiro do ano que vem, que não seja o senador Renan Calheiros (AL), candidato a voltar ao cargo que o perdeu para evitar cassação de mandato por transgressão à ética. Assim, o ministro Edison Lobão, das Minas e Energia, o mais cotado na torcida do governo para disputar a sucessão de José Sarney, não deixará mais o Ministério após as eleições municipais como estava previsto, é o que se informa hoje no círculo próximo aos atores pemedebistas.
Lobão já não queria sair, não demonstrava ímpeto de disputar, alegava empecilhos até pessoais, de resistência do filho, seu suplente, para não retomar a vaga, mas sua argumentação ficou superada pela informação que o partido fez chegar ao Planalto que Renan conseguiu romper resistências ao seu nome, tem votos para se eleger e acredita que as denúncias não voltarão a assombrá-lo.
São maiores de idade, dizem dos senadores, e há um limite para o governo intervir. Mas não desistiu de trocar, em fevereiro, seus líderes no Senado, na Câmara e no Congresso, respectivamente Eduardo Braga, Arlindo Chinaglia, José Pimentel. Todos avisados que a representação duraria apenas um ano.
Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras
Fonte: Valor Econômico - 05/09/2012
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