Autor(es):
Por Ricardo Pinheiro
O enredo em torno da chamada "guerra dos
portos" - expressão para identificar incentivos fiscais inconstitucionais
do ICMS na importação - infelizmente vem sendo desenvolvido no âmbito da
simples ficção. A solução apresentada pelo Senado Federal, por meio da
Resolução nº 13, de 25 de abril deste ano, ao que parece vai se transformando
em uma obra jurídica incapaz de efetivamente solucionar o problema. Isso após
mais de 16 meses de intensos debates, diversas audiências públicas, além de
fervorosos e patrióticos discursos.
Já em sua origem, a Resolução nº 13 criava uma
condição peculiar ao instituir, para as atividades de industrialização, o
denominado "Conteúdo de Importação". O conceito nada mais é do que a
relação percentual entre os insumos importados e o valor de saída interestadual
da mercadoria industrializada. Com isso, entre seus possíveis efeitos
colaterais, produtos de baixa qualidade fabricados em países que notoriamente
não se afiguram "economias de mercado", revendidos no Brasil com
margens elevadas, poderiam ser excluídos das normas da Resolução por um mero
artifício de "maquiagem" industrial. Um produto importado poderia ser
"nacionalizado" ao fazer, por exemplo, sua embalagem para consumo no
Brasil - algo que obviamente não agrega valor substantivo, não demanda grandes
investimentos e não gera empregos. Ou seja, melhor para quem promove ou defende
a guerra e pior para a indústria nacional, que permanece desprotegida e
violentada - uma verdadeira frustração.
Por outro lado, a Resolução 13 estabeleceu que o
Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) "poderá baixar normas
para fins de definição dos critérios e procedimentos a serem observados no
processo de Certificação de Conteúdo de Importação (CCI)". Engana-se quem entende
que se trata de uma mera faculdade atribuída àquele órgão colegiado. Mais:
ilude-se quem acredita que a Resolução é autoaplicável e estará em pleno vigor
a partir de 1º de janeiro de 2013, tenha ou não o Confaz "baixado" as
tais normas.
A Guerra dos Portos é, ao menos sob o ponto de
vista econômico, um despautério
Na prática, a aplicação da resolução depende
integralmente da regulamentação atribuída ao Confaz, pois, sem ela, será
materialmente impossível o cumprimento das regras. Por exemplo, quem definirá,
para fins de cálculo do tal "conteúdo de importação", se as
importações serão consideradas com ou sem os tributos incidentes na operação?
Como será calculado o valor das saídas interestaduais, com ou sem os tributos
incidentes? Quem saberá se sua apuração será a cada operação, ou por período
maior, respeitando a sazonalidade que pode existir na formação dos estoques da
empresa? Enfim, qual é a autoridade competente para a "certificação de
conteúdo de importação" e quais os procedimentos necessários para sua
obtenção?
Se não bastasse, restam ainda dúvidas sobre o
tratamento adotado em relação aos insumos importados dos países integrantes do
Mercosul, seja na condição de membros ou de associados que adotem o Regime de
Origem. Neste caso, os insumos serão considerados nacionais? Qual autoridade
"baixará" essa regra?
As incertezas continuam, mas o importante é saber
se o Confaz está trabalhando essas normas e, principalmente, se as empresas
brasileiras que promovem efetivamente investimentos serão ouvidas. Estamos em
meados de agosto. Daqui até o fim do ano o tempo é curto. Será suficiente para
que as empresas ajustem seus sistemas informatizados para apurar o tal
"Conteúdo", a fim de prestar as informações necessárias às
autoridades fiscais?
Sem dúvida, a "guerra dos portos" é, ao
menos sob o ponto de vista econômico, um despautério, especialmente quando se
trata de atividade comercial. Sem uma solução rápida e efetiva, a tendência é
que ela se amplie, pois mais Estados tendem a "entrar na guerra"
quando surge o risco de perder investimentos novos ou mesmo contribuintes
antigos.
O fato é que a situação trazida pela Resolução 13,
além de não resolver os reais problemas do ICMS, ainda traz o agravante da
insegurança jurídica, pois não se sabe como suas disposições serão
interpretadas pelas autoridades a partir do próximo ano. Em tempos de
incertezas econômicas, em que a economia brasileira tem apresentado desempenho
satisfatório, mas ainda carece de estímulos, inclusive para investimentos, não
devemos brincar com a sorte. Há que se respeitar o empresariado que é, em sua
maioria, correto e competente. Se não puder ajudá-lo, logo não o atrapalhe.
Ou então teremos que assumir que a Resolução 13
será mais uma legislação que entrará para o gênero ficção na Justiça brasileira.
Ricardo Pinheiro é consultor tributário e
ex-subsecretário da Receita Federal e da Secretaria de Fazenda do Estado do RJ.
Fonte: Valor
Econômico - 20/09/2012
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