Autor(es): Renato Janine Ribeiro
Os dois principais cargos eletivos da República são os de presidente e prefeito. Esta afirmação pode chocar, porque reduz o papel dos governadores. É verdade que os governadores aparecem mais. Prefeitos não são candidatos natos à presidência da República, nem mesmo os de São Paulo e Rio de Janeiro, enquanto os principais governadores o são. Os jornais cobrem mais a opinião dos governadores que a dos prefeitos, salvo rara exceção - César Maia, Gilberto Kassab. Mas lembremos que o cidadão é antes de mais nada quem mora na cidade. O cidadão reside. Por isso mesmo, quem define a qualidade de nossa vida, depois do presidente da República, é quem lida com o morar: o prefeito. O poder dos governadores está mais longe de nós.
O poder Executivo federal define a política econômica e social do País. Os resultados disso são importantes. Hoje, se perto de minha casa vejo inúmeras caçambas, sinal de que a classe média está reformando as residências, é porque vivemos uma política econômica mais próspera do que dez anos atrás. Se o Brasil firmou a prioridade de políticas de distribuição de renda e de combate à miséria, isso se deve à política conduzida no Planalto. Na política econômica e social, a Presidência da República tem papel decisivo. Mas a vida cotidiana, que está mais perto de nós, depende essencialmente das prefeituras. Por isso as eleições deste ano são significativas. Por isso é pena quando o eleitor amesquinha seu voto, ou o candidato não expõe suas ideias, ou a imprensa não as cobra.
Cada município tem suas leis de ocupação do solo, suas regras de expansão, a definição de onde pode haver fábricas, comércios, lixões. A prefeitura determina a qualidade do transporte coletivo, o papel do carro individual, o nível do ensino básico e da saúde. Em vários casos, ela não age sozinha - na saúde, por exemplo. Na educação, ela atua junto com o Estado para a formação das crianças e adolescentes, a missão mais nobre que existe. Mas o principal, que é quase só da prefeitura, é a competência para desenhar a cidade e o convívio com os outros.
Eleição municipal define nossa qualidade de vida
Muitas vezes esquecemos isso. Queremos que a cidade cresça para que lado? Queremos casas ou prédios? E queremos que as casas sejam construídas em terrenos exíguos, em lugares sujeitos a inundações - ou não? Queremos jardins, praças públicas, ruas arborizadas - ou não? Dificilmente alguém responderá "não" a estas últimas perguntas. Se o fizesse, dificilmente seria eleito. Mas o problema é que esses assuntos são pouco discutidos. E o fato de não haver discussão já é um sinal preocupante. Porque, se esses assuntos não forem expostos à luz do debate, ganhará quem se interessa em escondê-los. Escondê-los é fácil: basta distrair a atenção do eleitor para o secundário, o inessencial.
Darei alguns exemplos. Sem dúvida, merecem respeito as religiões que cresceram em nosso País nos últimos anos. Sem dúvida, não se deve opor dificuldade a nenhum culto - e, sem dúvida, todo culto deve respeitar as leis que se aplicam a todos. Ora, conceder alvarás para templos nem sempre é trivial. No passado, podia abrir uma igreja quem fosse de uma Igreja - isto é, abrir um templo estava ligado a se pertencer a uma religião tradicional, com hierarquia clara. Hoje, multiplicam-se religiões e sacerdotes. Uma igreja às vezes é já uma Igreja. Licenciar um templo fica mais complicado. Às vezes é mais fácil, às vezes não. É legítimo políticos se empenharem em obter alvarás para eles. Mas isso não legitima colocá-los, por exemplo, acima das leis de silêncio, que a todos se aplicam.
Agora, por mais que qualquer culto mereça o respeito de todos, se um político se eleger com só essa bandeira, mesmo assim ele depois vai participar de decisões sobre o plano diretor, sobre a altura de edifícios, a obrigação ou não de preservar áreas verdes e outros temas que vão bem adiante de sua agenda eleitoral - mas que afetam cada minuto da vida de toda a população. Se durante a campanha ele não disser o que fará sobre esses tópicos, de duas uma: ou ele não sabe, e ao concorrer despreparado a um cargo de muita responsabilidade está agindo mal; ou sabe, mas não diz.
O mesmo vale para todos os candidatos de segmentos, que por sinal se têm multiplicado. É compreensível e legítimo que concorram ao Legislativo pessoas que querem representar tal ou qual grupo de trabalhadores, de empresários, até mesmo de praticantes de um esporte. Mas insisto: todos eles hão de votar em questões bem mais amplas do que o grupo ao qual pedem votos. E como vão se posicionar, então? É isso o que devemos cobrar.
Até se entende que candidatos queiram se omitir sobre assuntos delicados. Mas este é um sinal poderoso de que não são confiáveis. A obrigação de se informar é nossa, como eleitores. E isso implica também um dever para a boa imprensa. Ela pode apertar os candidatos em suas propostas. Mas, para isso, ela também tem de estar preparada. Ela precisa ser crítica quanto à visão deles para a cidade, e quanto às condições que eles tenham de executar essa visão. São essas as principais questões a colocar.
Agora, o mais fácil é partir para o escândalo, a cobrança na vida pessoal, a discussão do caráter. Sabemos como isso degradou a política dos Estados Unidos. Esse país é, dos desenvolvidos, o único em que candidatos viáveis fazem do racismo, da oposição à ciência e da defesa do preconceito armas poderosas, que até podem levá-los à presidência. Em nenhum outro país desenvolvido o preconceito grassa em tal medida. Ora, o melhor antídoto para isso é uma opinião pública que cobre, dos candidatos, o que eles farão.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.
Fonte: Valor Econômico - 17/09/2012
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