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sexta-feira, 19 de junho de 2015

Carta de Mário de Andrade a Manoel Bandeira revela desejo de não se expor

18/06/2015 21h44
Rio de Janeiro
Akemi Nitahara – Repórter da Agência Brasil Edição: Stênio Ribeiro
Uma carta delicada e elegante com mais de quatro páginas, datilografada, trocada entre dois amigos de letras, com confidências, um pouco de intriga e comentários profissionais. Assim é a carta enviada por Mário de Andrade, no dia 7 de abril de 1928, a Manuel Bandeira, mantida sob sigilo, a pedido da família de Mário de Andrade, cujo teor foi divulgado hoje (18).

“Manú, recebi a carta. Está tudo certo. Ou, por outras, tem certos argumentos nela irretorquíveis. Apenas não vejo em que a minha chamada por você 'delicadeza moral' possa prejudicar uma integridade absoluta de amizade entre nós dois”.

O texto já havia sido publicado no livro Cartas a Manuel Bandeira, organizado por Bandeira em 1958, porém, 26 linhas foram suprimidas, entre a terceira e a quarta páginas. No original, a parte omitida por Bandeira aparece com riscos a lápis vermelho na transversal. Para o pesquisador de Mário de Andrade e o professor de filosofia Eduardo Jardim, a carta, além de muito bonita, não traz nenhuma revelação sobre a sexualidade do autor, como chegou a ser especulado.

“Outras cartas do Mário para Manuel Bandeira, inclusive de período anterior a essa, já tinham mencionado esse comentário que se fazia sobre a homossexualidade dele. [Em] uma de 1924, se não me engano, ele fala 'será que eu vou ter que fazer o tour dos bordéis de São Paulo?'. Então essa carta não traz nada que vá alterar a visão de biografia de Mário de Andrade que a gente já tem”, segundo Jardim.

Ele lembra que a obra de Mário de Andrade é carregada de sensualidade, carga erótica, e fala sobre a hipocrisia da sociedade, tratada na carta com a palavra “sequestro” que, segundo o filósofo, se refere ao recalque descrito pelo psicanalista Sigmund Freud, contemporâneo de Mário e referência em sua obra.

No entender de Jardim, “a literatura de ficção deles, os contos, romances como Amar, Verbo Intransitivo, são denúncias que ele faz da moral hipócrita da época sobre o comportamento sexual das mulheres, dos homens e inclusive dos homens homossexuais. Ele não era um autor careta, ele abordava essas coisas”.

Jardim destaca que Mário de Andrade escreveu mais de 400 cartas para Manuel Bandeira. “É um conjunto precioso”, diz. Segundo ele, a estimativa é que Andrade tenha escrito mais de 15 mil cartas, e agora que o conteúdo dessa foi revelado, os pesquisadores devem se dedicar a temas mais interessantes sobre a vida do escritor.

“Foi bom que isso acontecesse – a revelação do conteúdo – e que tivesse havido essa conversa toda, porque com isso resolvido é como se a gente se sentisse liberado para falar do Mário de Andrade de tantas outras coisas que ainda precisam ser discutidas. É como se isso estivesse ocupando o lugar de uma discussão que agora a gente vai poder ter, eu sinto isso. Foi bom”, esclareceu Jardim.

O acervo de Manuel Bandeira foi entregue em 1978 para guarda da Fundação Casa de Ruy Barbosa (FCRB), instituição ligada ao Ministério da Cultura. Em 1995 houve análise sobre o sigilo das correspondências, quando completaram-se 50 anos da morte de Mário de Andrade. Segundo a presidenta da FCRB, Lia Calabre, a carta-testamento de Andrade dava esse prazo para divulgação de suas cartas. Porém, uma interpretação da família do escritor impediu que essa fosse aberta a pesquisadores, alegando que a divulgação autorizada seria das cartas recebidas por ele, e não das enviadas.

“A gente não pode esquecer que a correspondência é um documento ultraprivado, e a correspondência que o sujeito guarda é a que ele recebe, a correspondência do outro. Por isso, estamos falando do acervo de Manuel Bandeira e uma carta do Mário de Andrade. Nós somos uma instituição de guarda, mas não somos detentores dos direitos autorais de nada que está aqui”, ressaltou.

Ela lembra que o conteúdo cai em domínio público no ano anterior aos 70 anos de morte de Mário de Andrade, em 2016. A divulgação para pesquisa da carta, sem autorização para imagem, foi autorizada pela Controladoria-Geral da União, que recebeu pedido via Lei de Acesso à Informação. De acordo com Lia, o processo levou a instituição a repensar a política de guarda de documentos privados por organizações públicas.

Fonte: Agência Brasil

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