Publicação: Quarta-feira, 16/10/2013 às 07:22:00 Atualização: 15/10/2013 às 21:54:43
Carla Rodrigues
carla.rodrigues@jornaldebrasilia.com.br
Abandono,
negligência, abusos psicológicos, físicos e exploração financeira.
Essas são palavras que retratam o triste cenário de muitos idosos do
Distrito Federal. De 2011 a 2012, a violência contra pessoas acima dos
60 anos aumentou nada menos que 330% na capital, de acordo com pesquisa
da Central Judicial do Idoso (CJI), do Tribunal de Justiça do DF. Por
trás dos números, outra realidade ainda mais dolorosa: os agressores,
64% deles, quase sempre são os próprios filhos.
E mais uma vez, a região administrativa de maior índice populacional, Ceilândia, está à frente também de dados sobre violência, com 18,2% dos casos registrados em todo o Distrito Federal. Na contramão do alarmante quadro, contudo, o desrespeito aos mais velhos está longe de ser solucionado, apontam especialistas ouvidos pela reportagem.
“O velho é sempre visto como alguém inútil, incapaz, sem vigor físico”, alerta o especialista em ciências sociais e políticas Vicente Faleiros, da Universidade de Brasília (UnB). O docente destaca que são relevantes os abusos e negligências que se perpetuam no choque de gerações por problemas de espaço físico, dificuldades financeiras, dentre outros, que costumam somar-se a um imaginário social que considera a velhice como “decadência” e os idosos como pessoas simplesmente “descartáveis”.
Políticas públicas
Autor do prefácio da pesquisa, ele aponta ainda a ausência de políticas públicas de atenção e convívio com os idosos. “Falta educar a sociedade brasileira para a convivência com os mais velhos. O idoso tem que ter respeito. O Brasil não está acostumado a isso, porque até então éramos uma população de jovens, mas esse quadro está mudando”, explica.
Faleiros afirma também que mais de 95% das pessoas acima de 60 anos estão morando com seus parentes ou vivem em suas próprias casas, 13%. Grande parte deles contribui com a renda familiar, quando não é a única fonte de renda, o que contradiz o imaginário popular brasileiro.
Ponto de Vista
Para o especialista em Atenção à Saúde e Política Públicas para a Pessoa Idosa Otávio Nóbrega, da UnB, as formas de denúncias e controle dos índices de violência contra o idoso estão avançando. “O País começa a enxergar que isso existe, graças a ferramentas para que as pessoas denunciem”, diz. Porém, alerta, o DF peca em não ter uma delegacia especiali- zada em violência contra o idoso. “Seria uma forma de punir corretamente os agressores”.
Agredidos pela própria família
De acordo com a pesquisa divulgada pela Central Judicial do Idoso (CJI), as mulheres representam 60,6% das vítimas e são, quase sempre, agredidas intrafamiliarmente, em um contexto de vulnerabilidade, onde convivem com o medo, com a culpa - por ser o seu próprio filho o agressor - e com a vergonha.
Nesse sentido, portanto, a presença do amor maternal dificulta a denúncia e favorece a repetição dos atos. “Normalmente, esses casos envolvem a dependência química dos filhos. E, por outro lado, não é fácil, digamos assim, colocar um filho na cadeia”, diz o especialista em ciências sociais e políticas Vicente Faleiros, da Universidade de Brasília (UnB).
Por isso, na maior parte das vezes, os denunciantes são vizinhos e outros familiares.
Garantias previstas em lei
O Estatuto do Idoso estabelece que nenhuma pessoa acima dos 60 anos poderá ser objeto de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão. Quem dificultar seu acesso a qualquer outro meio de exercer sua cidadania pode pegar de seis meses a um ano de reclusão, além de multa.
Cidade envelhece rapidamente
De acordo com a Codeplan, em 2010, o DF tinha 197,6 mil pessoas com 60 anos ou mais, o que representava, aproximadamente, 7,7% de sua população total. Porém, os indicadores preveem que nos próximos 16 anos os idosos representarão 15% da população e a capital terá uma estrutura etária tipicamente de países envelhecidos.
“Tá faltando paciência, respeito e carinho com a gente. Tem dias que é muito difícil ser idosa”, desabafa a aposentada Veneranda Pereira de Sousa, 70 anos, mãe de seis filhos.
Natural de Barreiras, Bahia, ela está em Brasília para um tratamento médico e confessa: “Aqui, as pessoas têm menos cuidado com a gente”. Para ela, os mais velhos parecem “não ter valor” para os jovens e, até mesmo, os políticos”. “Tá faltando amor”, diz, com um sorriso tímido, a senhora de cabelos completamente brancos.
O estudo destaca ainda que, para a Organização Mundial de Saúde (OMS), a violência contra a pessoa idosa é conceituada como o ato (único ou repetido) ou omissão que lhe cause dano ou aflição e que se produz em qualquer relação na qual exista expectativa de confiança.
“Nunca fui agredido fisicamente, mas muitas vezes moralmente. Já me xingaram de velho, de fracote, inútil. Ser idoso, hoje, é como ser um cachorro de rua”, desabafa o morador do P. Sul Leônidas Pereira, 63 anos. Assim como ele, João Silva, 86, reclama dos maus-tratos. “Às vezes, parece que a gente incomoda os outros”, afirma o senhor, que mora no Jardim Ingá (GO) com a filha.
Pense Nisso
As estatísticas da violência revelam o que já se percebe na vizinhança, na comunidade. E, muitas vezes, os casos sequer são denunciados. Mas, aos poucos, a população tem se dado conta da importância de relatar abusos e agressões. E à medida que comunidade faz a sua parte cada vez mais, o Estado também deve aumentar a sua atuação, combatendo e prevenindo o problema. Afinal, não basta denunciar um crime, se o responsável pelo delito continuar impune.
Além disso, é preciso preparar a cidade para o cenário que se aproxima: uma população de idosos que só aumenta. O que está sendo feito nesse sentido? Quais são as políticas públicas voltadas ao idoso?
Pouca qualidade de vida
A pesquisa da Codeplan destaca que 55% da população idosa é formada por mulheres e o contingente feminino é mais expressivo quanto mais velho for o segmento. Apesar de viverem mais, as idosas não desfrutam de boa qualidade de vida: são viúvas ou solteiras, vivem mais sozinhas, têm nível mais baixo de instrução e renda e fazem mais queixas de saúde.
“Tenho oito filhos, mas moro só com a minha filha. Perdi meu marido há muitos anos. O maior problema disso é a solidão mesmo. Nunca mais tive ninguém”, conta a dona de casa Ana Ferreira, 81 anos, do Pedregal (GO), Região Metropolitana do DF.
Futuro
Para mudar a realidade dos idosos do DF, analisa o pesquisador Vicente Faleiros, é preciso construir e discutir a implementação de políticas de convivência com os idosos. “O preconceito é sentido por 80% deles. Isso é absurdo. Temos que fazer os jovens enxergarem que os ‘mais velhos’ serão eles no futuro. E, além disso, poder contar mais com a agilidade da Justiça. Isso é muito importante para evitar a repetição da violência. Infelizmente, a Justiça ainda é lenta para esses casos”, conclui Vicente Faleiros.

carla.rodrigues@jornaldebrasilia.com.br
E mais uma vez, a região administrativa de maior índice populacional, Ceilândia, está à frente também de dados sobre violência, com 18,2% dos casos registrados em todo o Distrito Federal. Na contramão do alarmante quadro, contudo, o desrespeito aos mais velhos está longe de ser solucionado, apontam especialistas ouvidos pela reportagem.
“O velho é sempre visto como alguém inútil, incapaz, sem vigor físico”, alerta o especialista em ciências sociais e políticas Vicente Faleiros, da Universidade de Brasília (UnB). O docente destaca que são relevantes os abusos e negligências que se perpetuam no choque de gerações por problemas de espaço físico, dificuldades financeiras, dentre outros, que costumam somar-se a um imaginário social que considera a velhice como “decadência” e os idosos como pessoas simplesmente “descartáveis”.
Políticas públicas
Autor do prefácio da pesquisa, ele aponta ainda a ausência de políticas públicas de atenção e convívio com os idosos. “Falta educar a sociedade brasileira para a convivência com os mais velhos. O idoso tem que ter respeito. O Brasil não está acostumado a isso, porque até então éramos uma população de jovens, mas esse quadro está mudando”, explica.
Faleiros afirma também que mais de 95% das pessoas acima de 60 anos estão morando com seus parentes ou vivem em suas próprias casas, 13%. Grande parte deles contribui com a renda familiar, quando não é a única fonte de renda, o que contradiz o imaginário popular brasileiro.
Para o especialista em Atenção à Saúde e Política Públicas para a Pessoa Idosa Otávio Nóbrega, da UnB, as formas de denúncias e controle dos índices de violência contra o idoso estão avançando. “O País começa a enxergar que isso existe, graças a ferramentas para que as pessoas denunciem”, diz. Porém, alerta, o DF peca em não ter uma delegacia especiali- zada em violência contra o idoso. “Seria uma forma de punir corretamente os agressores”.
Agredidos pela própria família
De acordo com a pesquisa divulgada pela Central Judicial do Idoso (CJI), as mulheres representam 60,6% das vítimas e são, quase sempre, agredidas intrafamiliarmente, em um contexto de vulnerabilidade, onde convivem com o medo, com a culpa - por ser o seu próprio filho o agressor - e com a vergonha.
Nesse sentido, portanto, a presença do amor maternal dificulta a denúncia e favorece a repetição dos atos. “Normalmente, esses casos envolvem a dependência química dos filhos. E, por outro lado, não é fácil, digamos assim, colocar um filho na cadeia”, diz o especialista em ciências sociais e políticas Vicente Faleiros, da Universidade de Brasília (UnB).
Por isso, na maior parte das vezes, os denunciantes são vizinhos e outros familiares.
Garantias previstas em lei
O Estatuto do Idoso estabelece que nenhuma pessoa acima dos 60 anos poderá ser objeto de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão. Quem dificultar seu acesso a qualquer outro meio de exercer sua cidadania pode pegar de seis meses a um ano de reclusão, além de multa.
De acordo com a Codeplan, em 2010, o DF tinha 197,6 mil pessoas com 60 anos ou mais, o que representava, aproximadamente, 7,7% de sua população total. Porém, os indicadores preveem que nos próximos 16 anos os idosos representarão 15% da população e a capital terá uma estrutura etária tipicamente de países envelhecidos.
“Tá faltando paciência, respeito e carinho com a gente. Tem dias que é muito difícil ser idosa”, desabafa a aposentada Veneranda Pereira de Sousa, 70 anos, mãe de seis filhos.
Natural de Barreiras, Bahia, ela está em Brasília para um tratamento médico e confessa: “Aqui, as pessoas têm menos cuidado com a gente”. Para ela, os mais velhos parecem “não ter valor” para os jovens e, até mesmo, os políticos”. “Tá faltando amor”, diz, com um sorriso tímido, a senhora de cabelos completamente brancos.
O estudo destaca ainda que, para a Organização Mundial de Saúde (OMS), a violência contra a pessoa idosa é conceituada como o ato (único ou repetido) ou omissão que lhe cause dano ou aflição e que se produz em qualquer relação na qual exista expectativa de confiança.
“Nunca fui agredido fisicamente, mas muitas vezes moralmente. Já me xingaram de velho, de fracote, inútil. Ser idoso, hoje, é como ser um cachorro de rua”, desabafa o morador do P. Sul Leônidas Pereira, 63 anos. Assim como ele, João Silva, 86, reclama dos maus-tratos. “Às vezes, parece que a gente incomoda os outros”, afirma o senhor, que mora no Jardim Ingá (GO) com a filha.
Pense Nisso
As estatísticas da violência revelam o que já se percebe na vizinhança, na comunidade. E, muitas vezes, os casos sequer são denunciados. Mas, aos poucos, a população tem se dado conta da importância de relatar abusos e agressões. E à medida que comunidade faz a sua parte cada vez mais, o Estado também deve aumentar a sua atuação, combatendo e prevenindo o problema. Afinal, não basta denunciar um crime, se o responsável pelo delito continuar impune.
Além disso, é preciso preparar a cidade para o cenário que se aproxima: uma população de idosos que só aumenta. O que está sendo feito nesse sentido? Quais são as políticas públicas voltadas ao idoso?
Pouca qualidade de vida
A pesquisa da Codeplan destaca que 55% da população idosa é formada por mulheres e o contingente feminino é mais expressivo quanto mais velho for o segmento. Apesar de viverem mais, as idosas não desfrutam de boa qualidade de vida: são viúvas ou solteiras, vivem mais sozinhas, têm nível mais baixo de instrução e renda e fazem mais queixas de saúde.
“Tenho oito filhos, mas moro só com a minha filha. Perdi meu marido há muitos anos. O maior problema disso é a solidão mesmo. Nunca mais tive ninguém”, conta a dona de casa Ana Ferreira, 81 anos, do Pedregal (GO), Região Metropolitana do DF.
Futuro
Para mudar a realidade dos idosos do DF, analisa o pesquisador Vicente Faleiros, é preciso construir e discutir a implementação de políticas de convivência com os idosos. “O preconceito é sentido por 80% deles. Isso é absurdo. Temos que fazer os jovens enxergarem que os ‘mais velhos’ serão eles no futuro. E, além disso, poder contar mais com a agilidade da Justiça. Isso é muito importante para evitar a repetição da violência. Infelizmente, a Justiça ainda é lenta para esses casos”, conclui Vicente Faleiros.
Fonte: Da redação do clicabrasilia.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário
comente