21/10/2013 - 19h43
- Coluna da Ouvidoria
Brasília - Na cobertura do
atrito mais recente entre os governos da Venezuela e dos Estados Unidos,
envolvendo a expulsão recíproca de diplomatas dos dois países, a Agência Brasil
praticamente divulgou só as declarações das autoridades governamentais.
Foi uma troca de acusações e negações que satisfez o critério
jornalístico de ouvir os dois lados, mas pouco contribuiu para o leitor
avaliar até que ponto o governo venezuelano estava projetando
conspirações imaginárias e/ou o governo norte-americano dissimulando
atividades facciosas.
As causas das deficiências são as mesmas que afetam a cobertura
internacional de modo geral, eentre outras, a falta de correspondentes
no local, a carência de repórteres especializados e a dependência das
agências de notícias internacionais ou estatais. Nisso, a Agência Brasil
não está sozinha. Na 8ª Conferência Global de Jornalismo Investigativo
realizada na semana passada no Rio, a editora da revista Piauí,
Claudia Antunes, que tem quase 30 anos de experiência na área
internacional, observou que “a editoria internacional no Brasil é
pautada pelas manchetes dos grandes jornais estrangeiros” e “as
informações de agências de notícias são amplamente utilizadas ...”. Ela
reconheceu que essas agências, que têm “milhares de pessoas trabalhando
em diversos locais”, têm “uma capacidade de dar informações muito
rapidamente”. Contudo, a interpretação da notícia é feita pelo
jornalista daqui, ressaltou [1].
Isso, porém, é muito mais fácil de dizer do que fazer. A ABr
não é um veículo que priorize a cobertura internacional. Ela é uma
agência de notícias, que prima pela velocidade e pela abrangência da
cobertura. Ela não foi montada para trabalhos que exijam uma dedicação
maior de recursos próprios a investigações e análises. Suas parcerias na
área internacional são com outras agências de notícias.
Desde 2011, o Brasil tem uma agência de jornalismo investigativo, a Pública (www.apublica.org),
que colabora com a WikiLeaks, entre outras parcerias. Ela dispõe de
vários documentos e reportagens que denunciam a atuação dos órgãos do
governo norte-americano na Venezuela. Há também os sites das
organizações criadas em solidariedade ao regime bolivariano [2]. Outras
denúncias, com comentários críticos a respeito da maneira como a grande
mídia brasileira aborda o assunto, podem ser encontradas em artigos
publicados no site do Observatório da Imprensa [3].
No entanto, denúncias pontuais, mesmo baseadas em comunicações
oficiais interceptados, gravações, e outras fontes documentais
primárias, precisam ser averiguadas, inclusive para estabelecer se o
objeto da denúncia não foi apenas uma proposta não aproveitada ou uma
opinião pessoal. Mais importante ainda, as denúncias, isoladamente, não
proporcionam a verdadeira dimensão dos esforços envidados pelos Estados
Unidos para combater o regime bolivariano nem a eficácia dessas
iniciativas. Para isso, é necessário ter uma visão mais completa da
natureza da fera, ou se preferir, do polvo e seus tentáculos, sem
sucumbir ao simplismo dos preconceitos anti-ianque que permeiam muitos
dos conteúdos denunciatórios.
Como se observou na coluna da semana passada, para entender como os
contatos dos diplomatas e de outros representantes do Estado
norte-americano com a oposição venezuelana podem constituir
interferência indevida em assuntos internos, é necessário colocá-los no
contexto dos diferenciais de poder entre Estados. Inúmeros índices foram
criados por cientistas políticos e outros especialistas para medir e
comparar o poder dos Estados. Alguns se baseiam em uma única variável.
Outros são compostos de várias, com pesos diferentes e em diversas
combinações. Os resultados, no entanto, são bastante parecidos.
Nos índices composto,s os Estados Unidos e o Brasil figuram entre os
Estados mais fortes, guardadas as devidas proporções. A posição da
Venezuela é consideravelmente inferior (mais ainda, se não tivesse
grandes reservas de petróleo). Considere, por exemplo, o Composite Index
of National Capabilities (Índice Composto de Capacidades Nacionais),
que corresponde à parcela dos recursos globais totais – demográficos,
econômicos e militares – comandados por cada país. Os rankings e
percentuais respectivos dos três países, com dados de 2007, são:
Estados Unidos (segundo, 14,2%), Brasil (sexto, 2,5%) e Venezuela (38º,
0,5%) [4].
Os termos “forte” e “fraco” em relação aos Estados ganharam outros
significados na era pós 11 de setembro. Novas classificações foram
elaboradas. Da perspectiva norte-americana, Estados fracos (ou frágeis)
passaram a ser vistos como vulneráveis às atividades terroristas. As
classificações permitiriam dar um ajuste fino na identificação dos casos
críticos. Pelas mesmas razões, elas também poderiam identificar brechas
e alvos para as ações do Estado norte-americano.
Nas novas classificações, cujos critérios coincidem em parte com os
anteriores, questões de governança, conflitos internos e programas
sociais entraram na equação. A avaliação do desempenho político foi
esmiuçada. Em 2008, o Instituto Brookings, financiado por meio de
doações públicas e privadas e provavelmente o centro de reflexão
aplicada mais conceituado da capital norte-americana, Washington,
publicou um trabalho intitulado “Índice de Fragilidade do Estado no
Mundo em Desenvolvimento” [5]. Cento e quarenta e um países foram
avaliados, ranqueados de 1, o Estado mais fraco, a 141, o mais forte, e
agrupados em cinco quintis. Brasil ficou na 99ª posição. Venezuela, na
70ª. Ambos estão acima dos dois quintis mais baixos, os Estados
criticamente frágeis. Mas Venezuela foi colocada no grupo de Estados que
merecem ser acompanhados, formado por aqueles que demonstram um
desempenho fraco em pelo menos uma das quatro áreas centrais examinadas
no estudo. No caso venezuelano, a colocação decorre das notas nas áreas
de política e de segurança, ambas no segundo quintil.
Na área política, Venezuela recebeu as piores notas nos indicadores
que correspondem ao Estado de Direito e ao controle de corrupção. Um
pouco melhor, porém ainda fraco, é o desempenho no indicador da eficácia
do governo. Entre outras características, esses indicadores apontam
como frágeis a qualidade da polícia e dos tribunais, a probabilidade de
crimes e violência, a qualidade dos serviços públicos e do funcionalismo
público e seu grau de independência de pressões políticas e a
credibilidade do comprometimento do governo com as políticas públicas.
Um dos aspectos notáveis desse trabalho, que pretende servir como
ferramenta nos processos decisórios governamentais, é que um dos dois
coautores é Susan E. Rice, nomeada representante permanente dos Estados
Unidos na Organização das Nações Unidas quando Barack Obama assumiu a
presidência dos Estados Unidos em 2009. Desde junho de 2013, ela ocupa o
cargo de conselheira de Segurança Nacional, o mesmo cargo ocupado por
Henry Kissinger e por Condoleezza Rice antes de serem nomeados titulares
da pasta de Relações Exteriores. As duas Rices, que não são parentes,
são mulheres afro-americanas com currículos acadêmicos e profissionais
destacados que pertencem à meritocracia atual do governo norte-americano
[6]. As semelhanças nas carreiras das duas, apesar de pertencerem a
partidos diferentes, são um indício da continuidade na política externa
dos Estados Unidos nas gestões Bush e Obama.
Com um papel cada vez mais importante na execução dessa política são
as organizações não governamentais (ONGs). Nos conceitos de Estado mais
amplos que o tradicional, que se restringem às estruturas oficiais,
partes da sociedade civil integram o Estado (Gramsci) e organizações
civis fazem parte do aparato estatal ideológico (Althusser). O Estado
financia grupos dentro da sociedade que, embora autônomos em princípio,
dependem do apoio estatal [7]. Quando se trata de um Estado forte em
todos os sentidos já definidos, com uma política bipartidária coesa,
como é o caso da política externa dos Estados Unidos em relação à
América Latina, as ONGs desempenham papeis essenciais, sobretudo no caso
da Venezuela, onde a presença do Estado norte-americano por meio de
atividades em nível governamental foi severamente reduzida. Enfim, a
atuação dos representantes diplomáticos tem que ser vista dentro deste
contexto.
Boa Leitura!
Boa Leitura!
[1] http://br.gijc2013.org/2013/10/12/cobertura-internacional-deve-ir-alem-das-agencias-de-noticias-afirma-claudia-antunes/
[2] http://www.venezuelasolidarity.co.uk/us-diplomats-expelled-following-alleged-plotting-with-sumate/http://venezuelanalysis.com/analysis/5441
[3]http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed767_expulsao_de_diplomatas_dos_eua_e_desinformacao_midiatica#
[4] http://nationranking.files.wordpress.com/2011/03/2011-npi.png
[5] http://www.brookings.edu/~/media/Research/Files/Reports/2008/2/weak%20states%20index/02_weak_states_index.PDF
[6] http://www.biography.com/people/susan-rice-391616
[7] http://pt.wikipedia.org/wiki/Estado
[2] http://www.venezuelasolidarity.co.uk/us-diplomats-expelled-following-alleged-plotting-with-sumate/http://venezuelanalysis.com/analysis/5441
[3]http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed767_expulsao_de_diplomatas_dos_eua_e_desinformacao_midiatica#
[4] http://nationranking.files.wordpress.com/2011/03/2011-npi.png
[5] http://www.brookings.edu/~/media/Research/Files/Reports/2008/2/weak%20states%20index/02_weak_states_index.PDF
[6] http://www.biography.com/people/susan-rice-391616
[7] http://pt.wikipedia.org/wiki/Estado
Fonte: Agência Brasil
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