Com R$ 1 não se compra mais nada
04/08/2013
Seis anos depois, reportagem volta ao comércio para saber o que é possível comprar com a moedinha que já foi símbolo da força do real. A disparada da inflação, porém, fez o brasileiro perder o poder de consumo. Se em 2007 a dona de casa levava para casa quase 30 itens, hoje só consegue colocar dois produtos na sacola.
Quanto vale R$ 1? (Quase) nada true Os itens vendidos por até R$ 1 estão em extinção nas prateleiras dos supermercados. Nos últimos seis anos, o tempo foi implacável com a moeda e, sobretudo, com o bolso do brasileiro. Em 2007, o Correio percorreu lojas do Distrito Federal para mostrar o que era possível comprar com a quantia, e a lista de opções teve quase 30 itens. A reportagem voltou agora aos mesmos estabelecimentos e ouviu gerentes e consumidores. Todos fizeram a mesma avaliação: R$ 1 não vale mais nada.
Da pesquisa feita anos atrás, apenas dois produtos continuaram abaixo desse valor: o steak de frango e o macarrão instantâneo. Mas, ainda assim, a dupla apresentou altas de preço expressivas no período — de 102,6% e 16,1%, respectivamente. A moedinha, que já foi símbolo da força do real por ser suficiente para a compra de um quilo de feijão, hoje repousa esquecida em gavetas nas casas dos brasileiros.
"Atualmente, R$ 1 não dá para quase nada. Em outros tempos, comprava muita coisa", lamenta o feirante José Cosme, 82 anos. "Hoje, mal dá para um punhado de feijão a uma única pessoa", calcula. Nascido em 1931, Seu Cosme, como é chamado pela família, viveu nove trocas de moeda. A primeira delas em 1942, quando o país abandonou os antigos réis pelo cruzeiro.
Segundo o feirante, o começo do Plano Real, em 1994, foi um momento de muita esperança e de fartura em casa, quando R$ 1, nas palavras dele, dava para alimentar uma família ao menos com carne e farinha. Para Seu Cosme, o preço do feijão está um absurdo. "Trabalho há mais de 30 anos com comércio, já vi feijão de todo preço, mas, dessa vez, subiu demais. No começo do Plano Real, o quilo era bem baratinho, bem menos que R$ 1", diz.
Ele conta ainda que, na barraca que mantém na feira de Taguatinga, região administrativa do Distrito Federal, com o valor, é possível comprar apenas uma xícara pequena de pimenta. "E olhe lá! Mas a culpa não é minha: é o preço do produtor que está muito alto. Eu também estou pagando caro no feijão", justifica.
Aperto
Preocupada com o orçamento, a professora Carmen Tomazini, 55 anos, sempre pesquisa preços, compara o mercado com a feira e tenta aproveitar ao máximo as promoções. Na última quinta-feira, procurava uma cesta de palha de até R$ 10 para fazer um enfeite, mas teve dificuldade em encontrar. "Tudo está muito caro hoje em dia. Em 2007, com R$ 50, era possível fazer uma boa feira. Agora, nem com R$ 100 isso é possível", avalia. "Só com um milagre para encontrar alguma coisa por R$ 1", brinca.
Seis anos atrás, o Correio entrevistou, em um supermercado, a consultora de beleza Maria de Fátima Mafra, à época com 51 anos. Até então, a nota de R$ 1, que ainda estava em circulação, era considerada "poderosa" e, segundo a consumidora, comprava um pacote de biscoito, um steak de carne e ainda uma verdura. Pela lista que a reportagem fez em 2007, um quilo de feijão valia R$ 0,89. Com R$ 1, dava para preparar um quilo de macarrão e alimentar uma família grande, com mais de cinco pessoas. O tomate, que neste ano passou de R$ 10 o quilo, custava apenas R$ 0,65 (veja gráficos).
Augusto de Paula, gerente de Compras de Perecíveis do supermercado Caíque, em Samambaia, explica que, por R$ 1, é possível encontrar apenas poucos produtos. "Antigamente, com R$ 1, comprava-se muito pão. O problema é que, atualmente, o principal insumo dele, a farinha de trigo, subiu demais. Há um ano, o saco de 50 quilos saía a R$ 78; agora, custa R$ 114", calcula. Ele explica ainda que, apesar da alta de preços, o brasileiro não deixa de consumir. "O poder aquisitivo subiu nos últimos anos, e as pessoas ainda continuam a comprar. Ainda assim, nós, comerciantes, não podemos aumentar demais os valores e, às vezes, precisamos sacrificar a margem de lucro", conta.
Troca
Apesar dos ganhos salariais de grande parte da população nos últimos anos, há uma parcela de brasileiros que não obteve elevações tão expressivas de renda. Para as famílias de menor poder aquisitivo, a opção, em muitas situações, é substituir um produto mais caro por outro que esteja barato. "Quando o tomate subiu demais, troquei por outros itens. A carne vermelha também teve alta e, de vez em quando, troco por sardinha", relata a dona de casa Ildeny Carvalho, 32. "Somos três pessoas na minha casa. Gastamos R$ 300 por mês só com o básico e ainda assim precisamos cortar algumas coisas", diz.
O Brasil, mesmo sendo um dos maiores produtores de grãos e carnes do mundo, tem uma das mais elevadas inflações do planeta, sobretudo no que se refere à comida. No acumulado de 12 meses até junho, o custo da alimentação cresceu 11,27%. "Se você olhar a carestia desse quesito em países vizinhos, está muito mais baixa que a nossa e com uma dinâmica bem melhor", observa Tony Volpon, diretor executivo e chefe de Pesquisas para Mercados Emergentes das Américas da corretora Nomura Securities International, sediada em Nova York.
Na avaliação do economista, para que esses preços não tivessem disparado, o Banco Central deveria ter se preocupado mais com as expectativas do mercado e dos consumidores. Na prática, se as projeções para o futuro são de alta de preços, o lojista e os investidores se antecipam a esse movimento, ou seja, as perspectivas ruins abastecem o aumento do custo de vida. "Pelo fato de termos as expectativas desancoradas, isso afeta negativamente o comportamento de inflação de vários setores, inclusive o de alimentos. Por ter desprezado essa questão, o nosso BC permitiu isso", argumenta.
Na visão da dona de casa Patrícia Silva, 40 anos, e do marido dela, o servidor público Adalto Mourão, 35, a inflação é algo que não pode ser esquecido pelos gestores da política econômica. "O governo não a segurou. Há cinco anos, nós gastávamos R$ 500 nas compras do mês e tínhamos empregada doméstica, mas, hoje, gastamos R$ 800 e não temos mais nem faxineira", conta Mourão. "E olha que naquela época a renda era menor", emenda a esposa. O casal, que tem dois filhos, conta que o gasto de mercado aumentou, nos últimos meses, principalmente em decorrência dos preços de feijão, sabão em pó e carne. "Por R$ 1, a gente não compra nada. Nem mesmo os supérfluos", constata Patrícia.
Fonte: Correio Braziliense
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