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segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

A trajetória pendular de Henrique Alves

 04/02/2013
Quando Henrique Eduardo Lyra Alves foi eleito em 1970 para seu primeiro mandato parlamentar, seu pai, Aluízio Alves, já havia sido oposição a Getúlio Vargas pela UDN e base aliada de João Goulart pelo PSD. O golpe militar de 1964 aparentemente o colocaria de novo na oposição, mas ele foi mais rápido, apoiou o movimento e ingressou na Arena. Seis anos depois, cassado pelo regime por corrupção, migrou para o MDB. Henrique, então com 20 anos, levava uma boa vida de estudante de direito na zona sul carioca.
De lá para cá, Henrique, 65 anos, 11 mandatos consecutivos, favorito na eleição de hoje para a presidência da Câmara, terceiro posto na linha sucessória da República, aliado do PT, da presidente Dilma Rousseff e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, conduziu sua carreira política como um pêndulo, oscilando entre governo e oposição, trabalhismo e rigores da política econômica, tribuna e bastidores.
Tudo começou quando foi convocado a entrar na política, para candidatar-se a deputado federal e assegurar a sobrevivência política do clã liderado pelo pai, à época, deputado federal cassado e ex-governador do Rio Grande do Norte. Acabou adaptando-se à crítica e ao elogio político com o mesmo vigor, a depender da relação que nutria com o governo da ocasião. Ou com a própria ocasião, independentemente do governo. É o que se conclui da análise dos 1.080 discursos proferidos na tribuna da Câmara desde 1971 feita pelo Valor.
No que pode ser chamado de primeira fase de seu mandato, a estratégia foi construir uma identidade parlamentar com o Rio Grande do Norte, Estado onde pouco vivera até assumir o mandato. Todas as suas manifestações nesses primeiros anos atêm-se, basicamente, a temas do Estado, algo comum a parlamentares de primeiro mandato, ainda longe das grandes articulações políticas.
No melhor estilo "baixo clero", Henrique pede agência do INSS, campus de universidade, providências para a indústria salineira e aos cotonicultores e faz homenagens a figuras públicas potiguares. Adota ainda como bandeiras os programas de crédito ao Banco Nacional de Habitação (BNH) e o combate à seca.
Vira um frequentador assíduo da tribuna. São 63 discursos no primeiro mandato, número que quadruplica no segundo, indo a 235. As críticas aos rivais do clã no comando do seu Estado chegam a ser mais incisivas do que as desferidas contra o Palácio do Planalto, muito sutis. Prefere denunciar irregularidades na gestão dos adversários da família no seu Estado. Em 1973, no auge da repressão, o governo premia seu pai com o arquivamento do processo de corrupção.
Ao mesmo tempo, já dava sinais do que seria sua segunda fase, mais ligada ao trabalhismo e que teria seu ápice no fim dos anos 70, quando o país assiste às greves dos operários do ABC paulista. São inúmeros projetos de lei apresentados que revigoram o viés protecionista da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e tantos outros que ampliam direitos do funcionalismo público.
Alguns deles: o que discrimina os responsáveis na empresa pelo cumprimento das obrigações trabalhistas; o que permite a movimentação do FGTS para tratamento médico, dentário e internação hospitalar; o que dispõe sobre a equiparação salarial obrigatória entre professores do ensino público e particular.
"Saímos [PSDB e PMDB] de uma mesma célula-mãe, temos no sangue um mesmo DNA político"
Todos apresentados em 1978, ano em que os trabalhadores da Scania pararam em São Bernardo do Campo e colocaram na parede o regime militar. Era o início do fim da ditadura, mas o tempo de transição era incerto. Revela-se, então, uma característica que Henrique traz consigo até hoje: a capacidade de fazer um jogo dúbio com o governo. Em novembro de 1977, aplaude o ministro da Agricultura por atuar em defesa das cooperativas de eletrificação rural. Cinco dias depois, critica os limite estabelecidos pelo Ministério da Fazenda para as deduções do Imposto de Renda. Em junho de 1978, qualifica de incoerente a política agrícola brasileira para dois meses depois elogiar o novo superintendente da Sudene. Em março de 1979 critica a política salarial brasileira para dois meses depois elogiar o presidente Figueiredo pela prioridade no combate à inflação.
A explicação para a ambiguidade pode estar nas atividades de seu pai à época. Era um dos articuladores do Partido Popular (PP), de centro, considerado pelo regime militar uma alternativa civil confiável para a transição em curso rumo à democracia. Continha em seus quadros banqueiros do porte de Olavo Setubal e governistas como o ministro da Justiça Petrônio Portela. Tinha, portanto, que se mostrar nem tão oposicionista a ponto de afastar o apoio militar nem tão governista para não ter respaldo público.
Da tribuna, coube a Henrique apresentar a legenda: "Um partido aberto, nascido para a oposição esclarecida e vigilante onde não caberão os radicais, nem da direita nem os da esquerda". Mas Figueiredo viu risco com a morte de Portela e ascensão de Tancredo e baixou um pacote de medidas eleitorais que levou à incorporação do PP pelo PMDB em 1982.
A partir daí, Henrique mergulhou na oposição. Tendo como base a grave crise econômica que assolou o país no início dos anos 80, os ataques nesta seara passaram a ser seu mantra. Iniciava-se a terceira fase de sua vida parlamentar. Falava sobre o crescimento negativo do PIB, o aumento do desemprego, da dívida externa e da inflação, a redução do Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF), a comparação com dados de países vizinhos, reuniões do G-7, a defesa da moratória unilateral, os saques, a atuação da equipe econômica, a inadimplência, o achatamento salarial e até os reflexos do acordo de Bretton Woods.
Tudo era motivo para bater no governo. Situação que durou até Tancredo ser eleito pelo PMDB no colégio eleitoral; o vice José Sarney, da Frente Liberal, assumir após sua morte, e Aluízio Alves ser nomeado ministro da Administração, cargo que ocupou entre março de 1985 e fevereiro de 1989. O pacote de planos econômicos no período - Plano Cruzado, Cruzado II, Bresser e Verão - só fez agravar a situação dos cofres do país. Mas Henrique passou incólume por eles. Era a fase de "extremo governismo", que coincidiu com seu sumiço da tribuna. Foram 32 discursos no governo Sarney. Na fase da "oposição econômica", entre 1982 e 1984, foram 125.
Na elaboração da Constituição Federal de 1988, seu desempenho é revelador dessa transmutação. A despeito de na década anterior ter defendido inúmeros projetos em favor dos trabalhadores e dos funcionários públicos, nas votações da Constituinte se posicionou contra alguns considerados cruciais por ambas as classes: a jornada semanal de 40 horas e a estabilidade do funcionalismo.
O ímpeto no discurso econômico voltaria após o PMDB ser massacrado nas urnas em 1989. O candidato do partido, Ulysses Guimarães, amargou o sétimo lugar e virou oposição ao eleito, Fernando Collor de Mello (PRN). Desde o início, foi crítico ao bloqueio da caderneta de poupança do Plano Brasil Novo e da gestão do Ministério da Fazenda e do Banco Central. Registrou o "açodamento" do enxugamento da máquina administrativa promovido por Collor. Após três meses de governo, comentou o "insucesso" para resolver problemas sociais.
Pai e filho: vida política do ex-deputado e ex-ministro Aluízio Alves foi o espelho do filho Henrique
No entanto, quando veio a crise que resultou no impeachment de Collor, o pemedebista não radicalizou. Ao contrário, poupou ataques na esfera política o quanto pôde. Eles só ocorreriam em 25 de agosto de 1992, um dia após a apresentação do relatório final da CPI do PC Farias, quando as ruas já estavam tomadas pelos caras-pintadas. Aí, então, foi na veia do governo em queda. "Nosso povo se manifesta revoltado por ter um governo sem nenhuma credibilidade e autoridade, correndo o país o risco de perder os mínimos sinais e instrumentos de governabilidade. Quem foi às ruas é o aposentado, que, durante esse período foi perseguido; é o pequeno depositante da poupança, que teve suas economias confiscadas e hoje vê que amigos do presidente se beneficiaram".
A posse de Itamar Franco traz o PMDB de volta ao governo. E com ele, Aluízio Alves, nomeado ministro da Integração Regional em abril de 1994. Mas na sucessão presidencial o partido explicitaria um racha que o marcaria pelos anos seguintes. Basicamente, entre quem quer e quem não quer ser governo. Naquele ano, parte queria apoiar a candidatura de Orestes Quércia, e outra a do ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Os Alves decidiram apoiar o tucano, que, ancorado no Plano Real, venceu Lula.
Os frutos desse apoio foram determinantes para Henrique, que carimbaria aos poucos na era FHC sua transição do baixo para o alto clero na Câmara, a partir de uma aproximação e ação em grupo com os principais nomes da bancada no período, como Eliseu Padilha (RS), Geddel Vieira Lima (BA), Michel Temer (SP) e Moreira Franco (RJ). Em 1995, foi terceiro-secretário da Câmara. Depois, assumiu a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), cargo acumulado junto com o de vice-presidente nacional do PMDB. Essa fase coincide também com a diminuição de manifestações políticas na tribuna. Ela começam a aparecer nos bastidores ou nos "recados" mandados ao governo.
Era uma das vozes mais ativas por espaços no governo. Sempre deixou claro que o apoio do PMDB era caro. Em 1997, dizia aos pares que seu apoio à emenda da reeleição estava condicionada à reeleição de Temer para presidente da Câmara. Em dezembro de 1998, declarou que se o PFL aumentasse seu espaço "o PMDB ia querer ir junto". Sobre as críticas do PSDB ao desejo do PMDB de reconduzir Temer à presidência da Câmara, alertou: "O PMDB cede a ACM [Antonio Carlos Magalhães, senador pela Bahia] o Senado. O PFL cede a Temer a Câmara. E ao PSDB cabe ter juízo, votar e bater palmas nas duas Casas". Já eleito, Temer teria de decidir se acataria o pedido da oposição para abrir uma CPI sobre os grampos do BNDES. Não o fez e depois Henrique Alves disparou: "Numa hora dessas é bom perguntar aos tucanos de alta plumagem que queriam ver o PMDB fora do governo se eles ainda defendem isso."
Apesar do teor dos ataques, Henrique trabalhou intensamente para ser o candidato a vice na chapa de José Serra (PSDB) em 2002, contrariando mais uma vez os grupos internos de seu partido que defendiam a candidatura própria. Manifestou sua posição publicamente: "A coligação mais lógica deve ser com quem compartilhe dos mesmos ideais e com a qual tenhamos afinidade programática. Surge o PSDB como o partido mais assemelhado e próximo do PMDB, de quem, aliás, se originou. Saímos de uma mesma célula-mãe, temos no sangue um mesmo DNA político."
Mas foi abatido em pleno voo após uma reportagem da revista "IstoÉ" publicar declarações de sua ex-mulher de que ele teria milhões guardados no exterior, informação não confirmada posteriormente. Seria sua segunda tentativa de deixar o Legislativo rumo ao Executivo por meio de eleição. Candidato a prefeito de Natal em 1992 contra a própria irmã, ficou em segundo lugar. Anos depois, foi nomeado secretário de Governo do Rio Grande do Norte, na gestão do primo Garibaldi Alves Filho.
Foi toda proximidade do grupo do PMDB da Câmara com os tucanos que ajudou a atrasar a entrada definitiva deles no governo Lula. Ao contrário do PMDB do Senado, que aderiu desde o início, Temer, Henrique e sua trupe pregavam a "independência". Logo no primeiro teste, a reforma da Previdência, Henrique se disse "perplexo" com seus termos e a classificou de "absurda". No mensalão, tal qual na crise de Collor, submergiu, à espera dos seus efeitos. A recuperação da popularidade de Lula e sua reeleição, porém, fez com que todos os pemedebistas aderissem antes mesmo da posse. Desde então, o PMDB virou aliado preferencial do PT, em uma relação de altos e baixos na qual Henrique Alves sempre esteve à frente, já como líder da bancada federal. Daí decorre a natureza de seus discursos nessa última fase: sempre de orientação à bancada, como pede o regimento.
Ainda assim, há raras exceções que apontam o que pode vir a ser, se eleito, sua gestão como presidente. Elas foram apresentadas na votação da "emenda Ibsen" que redistribuiu os royalties do petróleo, ainda no governo Lula, e na votação do Código Florestal no governo Dilma. Nelas ficou claro: a vontade do PMDB, respaldada pelo coletivo da Câmara, sempre deverá prevalecer sobre os interesses do Palácio do Planalto. Se convergir com os interesses do governo, ótimo. Se não, haverá tensionamento até alguém ceder. Afinal, como Henrique diz a interlocutores: "Político não pode trabalhar sem plano B".
Fonte: Valor Econômico

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