Posted 19 de janeiro de 2015 by Leonam Guimarães - Colaborador Voluntário in ANÁLISES DE CONJUNTURA
Enquanto os programas nucleares do Irã e da Coreia do Norte são objeto de todas as preocupações e cobertura midiática, a ameaça nuclear mais perigosa que o mundo enfrenta hoje continua passando largamente despercebida. China e Índia estão prestes a colocar em operação mísseis balísticos dotados de múltiplos veículos de reentrada independente (MIRV, na sigla em inglês). Esse desenvolvimento pode ter consequências profundas, com grande alcance para a segurança da Ásia e de todo o mundo.
Os mísseis MIRV transportam várias ogivas nucleares, cada uma capaz de ser dirigida a um conjunto de alvos diferentes. Eles são extremamente desestabilizadores para o equilíbrio estratégico, principalmente porque dão uma nítida vantagem a quem atacar primeiro, criando uma postura nuclear do tipo “use-os ou perca-os” (do inglês “use emor lose em”).
Os mísseis MIRV são também menos vulneráveis aos sistemas de mísseis antibalísticos (ABM, na sigla em inglês). Isso ocorre por dois motivos principais: o primeiro e mais óbvio é que um único míssil MIRV pode ser usado para eliminar vários sítios nucleares inimigos simultaneamente. Assim, teoricamente, pelo menos, apenas uma pequena parcela da força de mísseis seria necessária para eliminar completamente a capacidade de dissuasão nuclear estratégica do adversário. Em segundo lugar, mísseis MIRV permitem aos países usar técnicas de direcionamento cruzado, programando dois ou mais mísseis contra um único alvo, o que aumenta a probabilidade de acerto.
Em outras palavras, mísseis MIRV são extremamente desestabilizadores porque fazem o arsenal nuclear do adversário vulnerável, podendo ser eliminado por um primeiro ataque de surpresa. Para compensar este fato, o Estado ameaçado, para garantir seu efeito de dissuasão diante da possibilidade de um primeiro ataque inimigo, normalmente aumenta o tamanho de seu arsenal e dispersa suas armas ainda mais para evitar que um inimigo realize um primeiro ataque bem sucedido. Por exemplo, em 1968, quando os EUA colocaram mísseis MIRV em operação, a União Soviética tinha menos de 10.000 ogivas nucleares. Uma década mais tarde, no entanto, tinha mais de 25.000. A União Soviética desenvolveu então seus próprios mísseis MIRV expandindo o tamanho de seu arsenal, desde que mais ogivas foram necessárias por míssil.
Em relação à China e Índia, então, a introdução de mísseis MIRV pode ter profundas consequências para as posturas nucleares dos Estados Nucleares. Um dos aspectos mais notáveis de todos eles, exceto Rússia eEstados Unidos, é que têm contado com arsenais nuclear reduzidos para satisfazer as suas necessidades de dissuasão.
Isto é especialmente verdadeiro para Índia e China, que têm declarado politicamente buscarem uma dissuasão mínima e seguirem a doutrina de “não primeiro uso” (do inglês “no first use”). Com a introdução de mísseisMIRV, no entanto, haverá fortes incentivos em ambos os lados para aumentarem consideravelmente o tamanho dos seus arsenais, mais ainda, não serão mais para se protegerem contra a ameaça de um primeiro ataque por um adversário.
Claro, as consequências de a China e a Índia adquirirem mísseis MIRV não seriam limitadas a esses Estados. Obviamente, a aquisição pela Índia de mísseis MIRV imediatamente ameaçaria a sobrevivência das forças nucleares do Paquistão. No curto prazo, provavelmente, faria com queIslamabad dispersasse ainda mais seu arsenal nuclear, algo que o deixaria mais vulnerável aos grupos terroristas islâmicos que atuam nesse país. No longo prazo, o Paquistão vai ser pressionado para expandir o tamanho do seu arsenal nuclear, bem como adquirir seus próprios mísseis MIRV.
As mesmas pressões serão sentidas em Moscou. Desde a desintegração daUnião Soviética, a Rússia dependeu de seu vasto arsenal nuclear para compensar sua fraqueza relativa em forças convencionais. Aos olhos dos líderes russos, só cresceria na medida em que a China continuasse a modernizar suas forças militares convencionais. Atualmente, a Rússiadetém um número de ogivas nucleares vastamente superior a da China, o que é uma fonte de alívio para Moscou. Com a China operando mísseis MIRV e, consequentemente, aumentando o tamanho de seu arsenal,Moscou verá sua superioridade nuclear sobre Beijing ser rapidamente erodida.
É possível, então, que a Rússia responda revogando os Acordos de Redução de Armas que tem firmado com os Estados Unidos e também expandindo seu próprio arsenal. Em tal situação, o presidente dos Estados Unidos ficaria sob uma enorme pressão interna para responder a essa atitude russa com um aumento do arsenal americano, numa perigosa “reação em cadeia” armamentista.
Assim, ainda que a perspectiva do Irã e da Coreia do Norte adquirirem e aumentarem arsenais nucleares operacionais seja preocupante, a obtenção de mísseis MIRV pela China e Índia é uma ameaça muito maior para a paz no mundo.
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Imagem (Fonte):
http://images.forbes.com/media/2009/08/18/0818_china-india-flag_390x220.jpg
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Fonte consultada:
Avaliação de Leonam dos Santos Guimarães: Doutor em Engenharia; Diretor de Planejamento,Gestão e Meio Ambiente da Eletrobrás Eletronuclear e membro do Grupo Permanente de Assessoria do Diretor-Geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).
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