19/05/2014 00:30:00
Se depender da maioria da população do Rio, a erva vai continuar sendo proibida
CONSTANÇA REZENDE
Rio - Se depender da maioria da população do Rio, a maconha vai continuar sendo uma erva proibida. Pesquisa realizada pelo Instituto GERP, encomendada pelo DIA, aplicada em 870 pessoas do estado, entre os dias 18 e 23 de abril, revela que 69% dos entrevistados são contra a legalização da droga. Já os que defendem a liberação para qualquer finalidade somam 17% e, apenas para uso medicinal, 10%.
De acordo com a pesquisa, 56% dos que não aceitam a legalização apontam o aumento da violência como principal motivo da rejeição. Um grande contingente (42%) é contra por acreditar que a droga faz mal à saúde. Porém, a questão divide especialistas da área médica.
O coordenador da Câmara Técnica de Psiquiatria e Saúde Mental do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (Cremerj), Miguel Chalub, afirma que a erva “é inofensiva” e não contém componentes químicos que causam dependência. “Quando a pessoa quer parar de consumir, ela consegue. Já tive vários pacientes usuários, são pessoas normais. O grande problema é ela ser proibida, o que gera banditismo”, disse Chalub, 50 anos de psiquiatria.
Já o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, Antônio Geraldo da Silva, defende que a maconha pode causar doenças mentais graves. “A droga desencadeia quadros de esquizofrenia, bipolaridade, transtornos depressivos e quadros psicóticos, como alucinações. Não se pode brincar com isso”, afirmou.
Para a juíza Maria Lúcia Karam, presidente da LEAP Brasil (Law Enforcement Against Prohibition), uma entidade internacional com sede nos EUA que combate a proibição de drogas, a questão deve ser pensada em torno da violência. Segundo Maria Lúcia, se a maconha fosse legalizada, quebraria o ciclo vicioso da indústria do tráfico. “Onde se vende cerveja, por exemplo, não existe troca de tiros, mas isso já aconteceu nos EUA em 1920, quando a bebida era proibida”, argumentou.
Enquanto isso, debates e atos sobre a legalização vem tomando conta da cidade. A Marcha da Maconha reuniu, na semana passada, em Ipanema, cerca de 12 mil pessoas. Segundo o vereador Renato Cinco (Psol), organizador da marcha, em 2005, a passeata reunia 400 pessoas. Ele considerou o resultado de 69% de pessoas contra a legalização como positivo. “No ano passado, as pesquisas mostravam um número 10% maior contra a legalização. Aos poucos, a mentalidade da população vai mudando. Demorou um século só para o tema entrar em debate”, sustentou.
Já o cientista político e professor da PUC-Rio, Ricardo Ismael, afirma que o resultado mostra que o tema ainda é tabu. Isso porque ainda há preconceito contra usuários e se acredita que a legalização aumentará a adesão à erva. “As pessoas temem pelos próprios filhos, acham que a maconha pode levar ao consumo de outras drogas. Os meios de comunicação precisam ampliar mais o debate sobre ela para que essa resistência acabe.”
Permissão no Brasil como remédio
Na última quinta-feira, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) divulgou que estuda alterar, até o fim de junho, a importação de medicamentos pelo Brasil que levam canabidiol, substância presente na maconha, e que trata doenças neurológicas. Países como Canadá, Estados Unidos, Israel e Holanda já permitem o uso terapêutico da erva.
O diretor do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas da Universidade Federal de São Paulo, Elisaldo Carlini, que não defende a legalização da droga para uso recreativo, é a favor do uso medicinal da substância. Segundo Carlini, o canabidiol é o melhor tratamento que existe atualmente para esclerose múltipla, mais que a própria morfina.
“O efeito analgésico dela é bem melhor. Também funciona para epilepsia e enjoos de quimioterapia. O país está atrasado em não legalizar para uso medicinal. Só pode haver perda de memória no momento do consumo, assim como outros medicamentos também podem produzir efeitos colaterais”, explica. Sobre o uso recreativo, ele argumenta ser estranho uma pessoa querer ter um efeito “alucinógeno”, com uma substância que pode funcionar como tratamento médico. “A medicina e outros especialistas, e até religiosos, precisam estudar melhor por que uma pessoa que não tem uma doença quer utilizar uma droga”, disse.
Já o psiquiatra Miguel Chalub, do Cremerj, afirmou que o álcool tem mais efeitos nocivos do que a maconha. “A pessoa fica mais agressiva e seus valores ficam inibidos”, disse. Para o pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), Bruno Paes, é um mito que as pessoas apresentam mais tendência a cometer crimes, quando consomem a erva. “O que aumenta a violência é a proibição, já que a maioria dos presos com drogas são réus primários e, na prisão, eles têm contato com pessoas que organizam facções.”
NO URUGUAI, GOVERNO REGULA PRODUÇÃO
A pesquisa do GERP mostra que os que concordam com a liberação da maconha (27,2%) defendem seu uso para qualquer fim (17,3%) ou uso medicinal (9,9%), o que está sendo estudado no Congresso Nacional, onde tramita um projeto de lei, do deputado Eurico Júnior (PV-RJ). Pelo texto, o poder público criaria medidas voltadas ao controle e à regulação das substâncias psicoativas e de seus derivados.
A redução do tráfico (55,2%) é tida como fator principal na defesa da discriminalização. Em segundo lugar está “a liberdade de fazer o que quiser com o próprio corpo” (25,7%), seguido da “diminuição da violência e prisões” (24,5%) e dos benefícios para a saúde (9,5%).
Uma das perguntas entre os defensores da liberação era sobre a produção e comercialização da maconha, iniciativa já seguida pelo vizinho Uruguai. Este mês, o presidente José Mujica assinou decreto que regulamenta a produção e comercialização de maconha no país. No caso dos pesquisados do Rio, o modelo seria a venda em pontos autorizados (46%), farmácias (15%) ou o plantio em casa (14%).
Fonte: O Dia Online
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