16/10/2015 15h33
Brasília
Nathália Mendes - Do Portal EBC
As provas esportivas e a presença de atletas de várias nacionalidades são as poucas coisas que aproximam os Jogos Olímpicos, que ocorrem de quatro em quatro anos, e a primeira edição dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas (JMPI), marcada entre os dias 20 e 31 de outubro, em Palmas (TO). Deixando de lado os pódios e os quadros de medalhas, os Jogos dos povos tradicionais surgem como um evento esportivo-cultural, apontando para o congraçamento das etnias desde o lema adotado - “o importante não é ganhar, e sim celebrar” - até a inclusão de jogos demonstrativos em seu programa.
“Queremos que os Jogos Mundiais dos Povos Indígenas promova a conscientização dos índios e o resgate de nossa identidade a partir dos esportes. Não é uma competição entre etnias, tampouco uma busca por medalhas”, aponta Marcos Terena, articulador internacional do Comitê Intertribal Memória e Ciência Indígena (ITC), que está à frente da organização dos Jogos, que vão reunir cerca de 2.300 atletas de 22 etnias brasileiras e de 20 países.
Além das competições dos chamados jogos nativos de integração – os esportes tradicionais comuns para a maioria dos povos nacionais –, os indígenas poderão apresentar as práticas particulares ao seu povo, sem caráter competitivo. Etnias estrangeiras que desejarem mostrar os jogos tradicionais praticados em seus países também poderão se inscrever.
O jikunahati (futebol de cabeça), do povo Paresi; o Jawari (ritual que envolve lançamento de dardos para atingir os oponentes), apresentado pelos Kamayurá e Kuikuro; o Akô (prova de velocidade semelhante a um revezamento), trazido pelos povos Gavião Kyikatêjê e Parkatêjê; e o Peikrãn (jogo onde uma peteca feita de palha de milho é arremessada entre os jogadores), praticado pelos Kayapós, já estão na lista de jogos demonstrativos.
Mesmo contando com fase eliminatória e finais, os chamados esportes de integração (arremesso de lança, arco e flecha, cabo de força, canoagem, corrida de velocidade, corrida de fundo, corrida com tora e natação) têm um sistema de premiação próprio e, por vezes, fogem do modelo não indígena. Em vez de conferir aos três primeiros colocados medalhas de pesos e simbolismo distintos, os quatro melhores receberão o mesmo prêmio. Outra exigência é a utilização de equipamentos confeccionados de acordo com a tradição indígena, vedado o uso de materiais que mudem o ritmo na corrida de velocidade ou óculos e touca na natação.
“Quando vira apenas um campeonato, perde-se a fraternidade e a reciprocidade dos povos. Competir vai contra o pensamento dos povos indígenas”, explica Terena. “Apesar disso, precisamos estabelecer regras essenciais para evitar que os Jogos sejam vistos como um momento folclórico dos índios. Estimulamos as seletivas e os treinamentos para que os atletas possam chegar ainda mais organizados”.
Os critérios das provas estão sendo definidos nos congressos técnicos do evento – um realizado em junho, em Brasília, e outro marcado para a próxima quarta-feira (21), em Palmas. Uma das definições foi a padronização das canoas, das lanças, das cordas do cabo de força e das toras utilizadas na corrida, uma vez que cada etnia confecciona esses equipamentos de maneira própria. A organização cederá aos atletas o material necessário para estas provas. Na corrida de rua de 100 metros, por exemplo, a regra é que todos corram descalços.
Corrida com tora é um dos esportes disputados nos Jogos Mundiais Indígenas Creative Commons - CC BY 3.0
Em entrevista ao programa Amazônia Brasileira, da Rádio Nacional da Amazônia, o secretário extraordinário dos Jogos Mundiais Indígenas, Hector Franco, salienta as diferenças do esporte profissional para o esporte tradicional. “O esporte, para o indígena, está muito mais integrado ao seu dia a dia. A flecha serve para que ele cace seu alimento. Ele nada no rio para buscar o que comer e utiliza a lança como instrumento de defesa. O esporte vai desde sua sobrevivência até a dimensão espiritual e ritualística”.
Futebol e arenas
Amplamente praticado pelos povos indígenas, o futebol é o único esporte ocidental que estará nos Jogos Mundiais. As regras são as mesmas estabelecidas pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), mas com uma alteração no tempo de jogo: a meia hora de partida foi dividida em dois tempos de 15 minutos, mais dez minutos de intervalo. Os Jogos ocorrerão no Estádio Nilton Santos, e, se necessário, em outros campos de futebol de Palmas.
A Arena Green, montada nas proximidades do Nilton Santos, receberá as cerimônias de abertura, com o ritual de Acendimento do Fogo Sagrado, e as competições e demonstrações esportivas tradicionais. Os esportes aquáticos vão acontecer no ribeirão Taquaruçu-Grande, que corta a capital tocantinense. As delegações serão compostas por, no máximo, 50 participantes, sendo 48 atletas e dois expositores da Feira de Arte e Artesanato Indígenas.
De acordo com o Comitê Intertribal, os critérios para seleção dos participantes são etnia, crenças e conservação dos costumes – os mesmos adotados nas 12 edições nacionais. No caso das etnias brasileiras, também foi pré-requisito a participação em alguma edição dos Jogos Nacionais, que acontecem desde 1996. Bom comportamento e cumprimento das regras nas edições passadas também contaram como pontuação para conquistar uma vaga nos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas. Houve também a tentativa de contemplar povos oriundos dos diversos biomas brasileiros.
Tradição
Outra particularidade dos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas é sua dimensão cultural e social. O Festival de Cultura começa na próxima terça (20), precedendo a abertura oficial do evento. A Feira de Arte e Artesanato Indígenas, a Feira de Agricultura Tradicional Indígena e o Fórum Social serão realizadas simultaneamente às provas esportivas. Também estão previstos cursos, rodas de diálogo, debates, fóruns e painéis sobre cultura, agricultura familiar indígena, meio ambiente, educação e direitos das mulheres indígenas.
“O objetivo é de festa, de celebração, mas também de reflexão. As questões indigenistas também vão passar por discussão”, disse Hector Franco. “Os Jogos Mundiais dos Povos Indígenas têm que ter um lado político. Não podemos ter um encontro dos povos desta dimensão sem tocar neste ponto”, afirma Marcos Terena.
Críticas
Para dois dos sete povos tocantinenses, o tratamento insuficiente dispensado a essas questões justifica a retirada do povo Krahô dos Jogos, apoiada e seguida pelos caciques e lideranças Apinajé. Em carta aberta, eles enxergam desrespeito da organização, com construção de instalações vulneráveis, e o uso indevido da imagem dos povos, “ocultando a verdadeira realidade e o sofrimento dos povos indígenas do Brasil”. “Os idealizadores também não consultaram e nem convidaram ao menos os povos anfitriões do estado do Tocantins para participar da organização”, criticam.
Marcos Terena minimiza as críticas. “Eles têm todo o direito de querer ou não participar. Não queremos criar uma doutrina a partir do nosso pensamento. As diferenças de opinião fazem parte do movimento indígena. Nenhuma etnia representa a outra”.
Palmas derrotou as cidades paraenses de Belém e Marabá na disputa pela sede da primeira edição dos Jogos Mundiais. O projeto inicial, reduzido por conta dos custos, previa originalmente a construção de um museu do índio, campo de beisebol e uma raia olímpica. Foram mantidos a aldeia para alojamento das etnias brasileiras (Okara), refeitório, a Oca Digital, a Oca da Sabedoria e a arena principal. A primeira edição dos Jogos Mundiais Indígenas foi aprovada em 2013, durante os jogos de Cuiabá.
Edição: Carolina Pimentel
Fonte: Agência Brasil
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