Brasil S.A - Antônio Machado
04/07/2013
Com a confiança no crescimento da economia abalada, com as âncoras da estabilidade cambial e inflacionária questionadas, o ambiente de protestos inflamando o emocional da sociedade e o governo tentando safar-se da ira popular à custa do Congresso e vice-versa, é licito indagar aonde vamos se a direção da política econômica fraquejar.
Se do Banco Central os sinais são de que a política monetária está de prontidão para o que se fizer necessário, subindo juros e dando liquidez em dólar e em reais, em caso de acidentes, como fez entre 2008 e 2009, da política fiscal conduzida pelo Tesouro Nacional não há a mesma segurança. Ao contrário, ela é fonte de incertezas pela tal “contabilidade criativa” dos resultados fiscais, em especial do superavit primário — o naco do orçamento federal direcionado para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública. O estratagema foi outra vez empregado, conforme decreto publicado às pressas no Diário Oficial no fim de semana, para dar base legal à antecipação de dividendos do BNDES e da Caixa Econômica Federal (CEF) ao Tesouro. Por que algo tão repentino, com a bolsa descendo a ladeira, as ações do grupo X, de Eike Batista, um de seus carros-chefes, virando pó, fuga de capitais, se, segundo o secretário do Tesouro, Arno Augustin, a mudança foi só para facilitar o repasse dos dividendos dos bancos estatais? A ser algo prosaico, como diz, poderia ter tomado a decisão com calma e a explicado comme il faut.
Poderia, também, dar tempo ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, achar um jeito de remendar sua declaração recente, segundo a qual o superavit primário de 2013, originalmente com uma meta “cheia” de R$ 155,9 bilhões, equivalente a 3,1% do PIB, seria, na bucha, de 2,3%, sem nenhum abatimento nem receita atípica, além da regulamentar, dos tributos, e dos dividendos já orçados. A meta de superavit revisada por Mantega não foi levada a sério no mercado e entre economistas, dado seu hábito de antecipar o que não se realiza, e, sobretudo, por não revelar os cortes para viabilizá-la. Nem o superavit de 2,3% do PIB é factível à luz das despesas programadas, já considerando o bloqueio de R$ 28 bilhões na segunda reprogramação da Lei de Meios de 2013. Mas era uma diretriz oficial e assim foi assumida pelo mercado, apesar das reticências. O chefe do Tesouro só fez turvar ainda mais o cenário fiscal.
Tema dos mais complexos
A análise do orçamento federal, que condensa o que os economistas chamam de política fiscal, é tema dos mais complexos, impenetrável, em geral, até aos parlamentares encarregados de examinar e levar a voto a proposta orçamentária (a Lei dos Meios) enviada a cada ano pelo governo à aprovação do Congresso. Ela sintetiza a relação da sociedade — intermediada pelo Parlamento e executada pelo governo — com o rol de serviços atribuídos ao Estado, como saúde e educação gratuitas, salários do funcionalismo e deficits da previdência.
No geral, os gastos demandados excedem a receita tributária (de 36% do PIB, em nível nacional, ou 46%, com a parcela sonegada, na estimativa do Sindicato dos Auditores Fiscais), gerando deficits — a origem elementar da dívida pública. Ela é financiada com emissão de títulos pelo Tesouro a um custo referenciado pela taxa de juro da política monetária. O superavit primário aparta do orçamento um naco das receitas para pagar juros, grosso modo baseados na Selic.
Poupança fiscal para quê?
Desde a reforma monetária de 1994, a política econômica é dirigida a baixar a dívida pública como proporção do PIB, conforme o padrão usualmente aceito. Há dois conceitos: a dívida líquida (que exclui os ativos formados pelo endividamento, como as reservas em dólar e os financiamentos do BNDES com funding do Tesouro), hoje de 34,8% do PIB, e a dívida bruta (sem tais descontos), de 59,6% do PIB. A dívida líquida é baixa para o nível de endividamento dos países ricos e a maior entre os grandes emergentes, mas sem ter o risco de insolvência de antes. O governo continua a reduzi-la, entendendo que o nível da taxa de juro reflete o tamanho da dívida em relação ao PIB. Ela diminui, portanto, quanto maior o crescimento do PIB e o superavit primário. Tal “poupança fiscal” também interessa ao BC, pois reduz a demanda agregada, permitindo não elevar tanto a Selic.
Vodus perderam a graça
Voltemos à “criatividade” do secretário Augustin (e falaremos mais em outra coluna). O Tesouro tomou R$ 3,6 bilhões em dividendos dos bancos federais, ou R$ 25,6 bilhões em 12 meses até junho, o que representa, avalia o economista Fernando Montero, 39% do superavit primário do período. Como dividendo não é gasto corrente, Augustin não aliviou o ônus da Selic, como deseja o BC. Também não impactou a solvência nacional, que não preocupa por ora. Então, por que fez? Para criar ao governo espaço para gastar, sem assumir que relaxou o rigor fiscal. Só que o mercado não acha mais graça nestes vodus.
A técnica da avacalhação
Em depoimento na Câmara, o titular do Tesouro negou a manobra para rechear a poupança fiscal com dividendos originários, em boa parte, de emissão de dívida repassada à banca pública e que volta depois ao Tesouro como receita primária. Tal “interpretação”, disse ele, é “tecnicamente errada”. Não poderia dizer outra coisa. Mas sabe que tais ações não têm apoio unânime mesmo na Secretaria do Tesouro. E já incomodam, pela recorrência, os quadros permanentes dos bancos, inclusive por transmitir a falsa impressão de má gestão. No fundo, é “avacalhação”, como já disse o conselheiro informal da presidente, o ex-ministro Antonio Delfim Netto. Subverte a política monetária, lança dúvidas sobre as contas nacionais e, como avisaram as agências de risco, pode aviltar o crédito do país, implicando maior custo para os tomadores brasileiros. E as opções? No governo se fala em mais impostos. De eficiência ninguém se lembra.
Fonte: Correio Braziliense
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